O sítio Paraná Online –http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/358856/ – publicou interessante matéria, da autoria do advogado Bento Brandão, em face de uma decisão do STF, a propósito da produção de provas no juízo deprecado.
Leia, a seguir.
A Garantia Judicial da ampla defesa
Beno Brandão
Foi publicado no boletim n.º 535 do Supremo Tribunal Federal (9 a 13 de fevereiro de 2009) o resultado de importante julgamento realizado nos autos do habeas corpus n.º 91.501/RJ, da Relatoria do ministro Eros Grau. A íntegra da notícia veiculada no referido boletim está assim redigida: “A Turma, em conclusão de julgamento, deferiu habeas corpus para anular o processo desde a oitiva, por carta precatória, de determinada testemunha, inclusive.
Alegava-se ausência de intimação do paciente para a oitiva da mencionada testemunha no juízo deprecado, não obstante houvesse ocorrido sua intimação quanto à expedição de carta precatória. Aduziu-se que o tempo transcorrido entre a intimação do defensor constituído – no Rio de Janeiro, quanto à expedição da carta precatória – e a realização da oitiva da referida testemunha, em Belém do Pará, fora de apenas 10 dias corridos ou 7 dias úteis, o que, na prática, inviabilizara o comparecimento do patrono do réu. Diante disso, nomeara-se um defensor ad hoc para atuar no momento culminante da instrução do processo-crime, cuja inicial continha mais de 400 páginas. Concluiu-se que, em tais condições, a nomeação de defensor dativo satisfizera apenas formalmente a exigência de defesa técnica no processo, pois seria inconcebível que o advogado tivesse tido condições de atuar de maneira eficiente e efetiva em benefício do acusado. Os ministros Eros Grau, relator, e Joaquim Barbosa reconsideraram seus votos proferidos em 24/6/2008 pelo indeferimento do writ.
Naquela sessão, assentaram que a jurisprudência do STF estaria consolidada no sentido da prescindibilidade da intimação da defesa para a audiência de oitiva de testemunha no juízo deprecado, sendo necessária apenas a ciência da expedição da carta precatória”.
O acórdão ainda não foi lavrado, pois o julgamento é recente (10/2/09). O writ foi concedido por unanimidade de votos, aderindo ao quorum o ministro Cezar Peluso. Embora tenha presidido a sessão, o ministro Celso de Mello não votou, já que em sessão anterior, onde o feito teve início, ele não estava presente, assim como a ministra Ellen Gracie.
Conquanto não se tenha ainda a integralidade do acórdão, a notícia de seu conteúdo revela uma mudança de orientação – ao menos de uma Turma do Supremo Tribunal Federal – em relação à questão da necessidade de intimação da defesa pelo juízo deprecado quanto à data da audiência. O assunto já estava resolvido no Superior Tribunal De Justiça, uma vez editada a Súmula 273, de 11/9/02, que prevê: “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado”. Nesse sentido, recentíssimos julgados do Tribunal de Justiça do Paraná (Apelação Crime n.º 0313200-1, 5.ª C.Crim., Rel. des. Jorge Wagih Massad, j. 18/12/08; Apelação Crime n.º 0531601-0, 3.ª C.Crim., Rel. juiz conv. Jefferson Alberto Johnsson, j. 20/11/08).
Evidentemente, o caso julgado no Supremo Tribunal Federal traz algumas particularidades. A primeira é o prazo exíguo entre a expedição da precatória e a realização da audiência no juízo deprecado (10 dias); a segunda é que diante do não comparecimento da defesa, foi nomeado para o ato um defensor ad hoc, que apenas cumpriu uma exigência formal, e não promover uma defesa efetiva, considerando que a denúncia naquela precatória contava com mais de 400 páginas.
Mas, independentemente das particularidades do feito, o julgado da Excelsa Corte serve para que se reflita sobre a real aplicação do princípio da ampla defesa e do contraditório. Há que se concordar que seria por demais complicada a intimação da defesa pelo Juízo deprecado quanto à data da audiência. Uma obrigatoriedade nesse ponto traria sobrecarga para os cartórios e risco de nulidade, notadamente em processos com vários réus com advogados distintos. A solução não é simples.
Todavia, deve-se encontrar o equilíbrio. Fez-se justiça no caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, pois não é razoável pensar que, expedida a precatória, o Juízo deprecado tivesse a rapidez de designar data tão próxima. Já tivemos caso em que uma Comarca de Santa Catarina bateu o recorde: recebida a precatória em um dia, marcou audiência para o dia seguinte! Em outra situação singular, a audiência a ser realizada em Subseção do Rio Grande do Sul estava pautada para dali dois meses.
Verificada a data, esta foi agendada nos compromissos do advogado que patrocinava a defesa, o qual inclusive ligou para a secretaria da Justiça Federal para saber da referida data. Dois dias antes da realização do ato, como é natural, a defesa contatou novamente com a secretaria, para saber se estava tudo certo para a audiência (ou seja, se eventualmente, por qualquer motivo, ela estava cancelada ou transferida para outra data). Qual não foi surpresa quando a secretaria informou que o ato já se havia realizado?! O motivo da antecipação: a testemunha, ao receber a intimação, comunicou o Juiz deprecado que naquela data estaria de viagem; assim, foi antecipada (ao invés de postergada) a audiência. E a defesa não foi intimada da nova data, tendo em vista a Súmula 273 do stj.
Como visto, há que se estabelecer uma razoabilidade. Compreensível que seja mais fácil à defesa se inteirar sobre a data da audiência do que o Juízo deprecado fazer a comunicação. Mas este deve sempre estar atento para situações específicas, evitando designação de data que dificulte a defesa de prontamente tomar conhecimento da mesma.
Por fim, fica aqui um registro. Sofredora a defesa, que não estando em São Paulo ou ali não tendo contatos, não tem o direito de ser informada pelo Cartório, via telefone, da data de audiência em precatória de seu interesse. A Corregedoria de Justiça daquele Estado aprovou em 31/7/00 parecer (decorrente do processo n.º 2106/2000) que referendava ato de cartorários do foro judicial em não prestar informações por telefone, independentemente da localização do solicitante ou do tipo de informação. Como conjugar eficiência da Justiça e garantias do acusado? Eis aí a principal razão para eternas polêmicas jurídicas.
Beno Brandão é especialista em Advocacia Criminal pela Universidade Cândido Mendes; membro da Associação Internacional de Direito Penal; advogado. www.dottieadvogados.com.br