O artigo abaixo, já publicado neste blog, foi encaminhado, com ajustes, ao Jornal Pequeno, para ser publicado no próximo domingo, dia 18 do corrente
As contradições das agências de controle social
José Luiz Oliveira de Almeida*
Tenho refletido, neste espaço – e no meu blog, claro – acerca das nossas contradições, que, não se há de negar, são muitas. Tenho reiterado, por exemplo, que, com espantosa facilidade, as agências de controle – formais e informais – condenam – e “condenam” – as condutas desviantes de uma determinada classe social, para, no mesmo passo, mostrarem-se benevolentes com uma minoria criminosa, incrustadas nas classes mais favorecidas.
Reafirmando as nossas contradições, observo, ademais, que, além da discriminação quando do enfrentamento das condutas desviantes, sabido que nossas ações são voltadas, repito, fundamentalmente, para punição dos integrantes do grupo que rotulamos como criminoso ( cf. a teoria do labeling approach, cuja tese central é no sentido de que os desvios e a criminalidade não são qualidades intrínsecas da conduta e sim uma etiqueta atribuida a determinados indivíduos através de complexos processos de seleção), ainda admitimos conviver, nos meios sociais, com os criminosos do colarinho branco (white-collar crime), como se fossem pessoas de bem a merecer a nossa atenção e consideração.
É como se os etiquetados merecessem o nosso desprezo e os criminosos do colarinho branco, em função da posição que têm no espectro social, merecessem de nós atenção especial e benevolência. É como se os efeitos de sua ação criminosa fossem um indiferente penal, não repercutissem, enfim, tão tenazmente, junto às camadas mais desfavorecidas da sociedade.
A verdade é que os criminosos do colarinho branco, conquanto todos saibamos que as consequências de sua conduta criminosa são muito mais desastrosas para o conjunto da sociedade do que os praticados pelos rotulados, das agências de controle, é verdade ressabida, não têm recebido o tratamento rigoroso que deveriam receber.
Outra verdade não menos eloquente, a propósito da discriminação das agências de controle, é que os criminosos do colarinho branco, não se pode negar, têm a capacidade inquestionável de impor ao sistema uma quase total apatia em face de suas condutas criminosas, razão pela qual, é de comezinha constatação, a quase totalidade dos encarcerados é composta de pobres; não porque cometem mais crimes, mas porque têm maiores chances de ser criminalizados e, nesse passo, brutalizados pelo estado, que não tem pudor em jogá-los em cárceres fétidos e desumanos, como se, por terem ousado delinquir, não tivessem dignidade; dignidade que, todos sabem, é o valor-guia a ser considerado, não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica constitucional e infraconstitucional.
O que se pode constatar, à luz de qualquer estudo que se faça da criminalidade, é que o sistema penal tem medo de hostilizar os “homens de negócios”, em virtude do poder que o dinheiro lhes confere, e, até, em razão da capacidade que têm de responder ao controle com represálias, se necessário, como, aliás, registra a história, a toda evidência.
As agências de controle social, constata-se, têm, até, simpatia e admiração pelos criminosos do colarinho branco, os quais, não raro, em face de sua capacidade de fazer amigos incrustrados no poder, são recebidos, por vários de nós, em gabinetes, com direito a cafezinho e rapidez no atendimento, como se pessoas honradas fossem, conquanto de suas ações criminosas resultem prejuízos incalculáveis para o conjunto da sociedade, bastando, para essa constatação, verificar, exemplificativamente, a quantas andam as nossas estradas, a educação, a segurança e a saúde de quase todas as unidades da Federação.
Nós, responsáveis pelas agências de controle, temos a natural tendência de (re)agir – com excessivo rigor, às vezes- no sentido de punir os responsáveis pelos ataques diretos aos bens jurídicos – vida, patrimônio etc -; todavia, temos sido lenientes, acomodados, frouxos e covardes, quando se trata de enfrentar as ações dos criminosos do colarinho branco, cujos efeitos difusos para o conjunto da sociedade, não é demais repetir, são muito mais nefastos que os ataques diretos ao nosso patrimônio por meliantes de outro matiz.
Sei que não é fácil, que nunca será possível o combate efetivo aos desvios de conduta de determinada parcela (privilegiada) da sociedade, sobretudo porque as violações da lei pelos chamados homens de negócios têm caráter complexo. Tenho convicção, inobstante, que algo precisa ser feito, sem mais demora, para punir, exemplarmente, com a expropriação dos bens, quando for o caso, os que, no exercício do poder – ou mesmo fora dele, mas às suas expensas -, multiplicam o seu patrimônio, indiferentes aos efeitos daninhos de sua ação.
*É membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com
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