Artigo para publicação

Abaixo, o artigo que acabo de enviar ao Jornal Pequeno para publicação no próximo domingo.

O ESTOURO DO CHAMPAGNE 

José Luiz Oliveira de Almeida*

 Não se pode negar que a imagem do Poder Judiciário, em face dos últimos acontecimentos (“guerra” entre as associações de classe – AMB à frente –  e o Conselho Nacional de Justiça) restou maculada, nos colocando a todos numa situação desconfortável perante a sociedade.

A impressão que ficou, não destituída de lógica, é que os juízes, na verdade, não querem ser fiscalizados, ou seja, que pretendem, com o confronto, solapar os poderes do Conselho Nacional de Justiça, para que tudo volte a ser como antes, o que, convenhamos, não deixa de ser verdade, pelo menos no que se refere aos que nomino de ‘togas sujas” (cf. artigo sobre o tema em www.joseluizalmeida.com), ou seja, os que fazem do poder um instrumento para fins inconfessáveis.

É dizer, em resumo: os últimos acontecimentos deixaram transparecer – o que, de certa forma, é mais que verdadeiro – que os magistrados – claro que, para os fins dessas reflexões, me refiro apenas aos de conduta heterodoxa – não aceitam ser fiscalizados. O que almejam mesmo – os de má-conduta, convém reafirmar –  é agir dando satisfação apenas à sua consciência, pois que, tendo-a corrompida, fazem  o que de melhor lhes apraz, que é agir à margem da lei, para do cargo auferir vantagens de ordem patrimonial.

Compreendo que, para limpeza ética da magistratura –  que, não se pode negar, tem, sim, os seus diabinhos –  o ideal mesmo é que o Conselho Nacional de Justiça continue agindo como tem feito até agora, ainda que  concorrendo com as Corregedorias e  Tribunais,  na apuração e punição dos magistrados faltosos, para bem da nossa instituição que precisa, sim, sem mais tardança, ser depurada.

E por que faço essa afirmação? Porque, historicamente,  as Corregedorias e  os Tribunais têm agido com excessiva complacência em face dos desvios de condutas dos magistrados, sendo de rigor concluir que  muitos deles só tiveram a sua ação obstada em face da ação do Conselho Nacional de Justiça, ainda que se admita que, aqui e acolá, possa ter havido excesso.

Questionar  o poder do Conselho Nacional de Justiça de punir magistrados, antes da manifestação das Corregedorias e dos Tribunais de Justiça, é, a meu sentir, uma forma nada sutil de escamotear a verdade, qual seja, a de que, ficando as punições ao talante das Corregedorias e dos Tribunais, não nos iludamos,  poucos serão punidos. E a razão é fácil de ser compreendida: juiz não gosta de punir juiz.

Em torno dessas questões e não me iludo: esvaziados os poderes do CNJ, poucos, raros, raríssimos serão os magistrados punidos por desvios de conduta, ainda que as Corregedorias dos Tribunais se esmerem na apuração dos fatos tidos por desviantes.

O aparente açodamento do CNJ, a volúpia punitiva da instituição, a opção que fez em agir antecipando-se às Corregedorias e Tribunais, substituindo-os na sua competência originária, é puro reflexo  da nossa  histórica inaptidão para punir os colegas faltosos.

Não se pode negar, em linha de princípio, que, à luz da legislação em vigor, a competência correicional do CNJ é subsidiária, vez que, como sabido, a Constituição Federal  assegura autonomia administrativa aos Tribunais de Justiça dos Estados.

Ocorre que, como é ressabido,  foram os próprios Tribunais  de Justiça, sem exceção conhecida, que, por omissão, abdicaram dessa autonomia, em face de sua conhecida  brandura para com os  desvios de conduta dos magistrados.

A confirmar-se, no STF,  como parece óbvio, que ao CNJ caberá, alfim e ao cabo, apenas a  condição de instância revisora, fica a esperança de que, nessa condição, permaneça vigilante para que, omitindo-se as instâncias administrativas dos Tribunais, cuide de avocar os processos disciplinares, para  que eles não se transformem apenas num amontoado de papel sem nenhuma consequência prática.

A propósito, recentemente, no meu blog (www.joseluizalmeida.com), no artigo “O estouro do champagne” – título que tomo de empréstimo para o presente , tive a oportunidade de dizer,  na mesma linha de argumentação do presente artigo, em face da liminar do Ministro Marco Aurélio: “Eu não me iludo com a decisão do ministro Marco Aurélio. Em face dela, não tenho dúvidas, poucos, raros, raríssimos serão os magistrados de primeiro grau punido em face de um desvio de conduta. Eu não me iludo: com a decisão do ministro, nenhumnenhum, mesmo! – magistrado de segundo grau será punido…”.

Noutro artigo, no mesmo blog, intitulado “Farinha pouca? Meu pirão primeiro”, preocupado, ainda, com as consequências de eventual  esvaziamento do CNJ, ponderei: “…O exercício do poder – e as facilidades proporcionadas em decorrência – , é, sim, uma tentação. É por isso que muitos são os que condenam os desvios de conduta, para, estando no poder, agir exatamente da mesma forma daqueles que criticaram. O difícil, numa sociedade marcada pela impunidade, é convencer quem está no poder a não fazer uso dele para fins escusos. No Brasil – e no Maranhão, especificamente – ainda prepondera a cultura fincada no aforismo ‘farinha pouco, meu pirão primeiro…’”.

De outra feita, no mesmo blog, sobre o mesmo tema, no artigo intitulado “Magistrado não gosta de punir magistrado”, consignei: “…Se depender, pois, dos Tribunais, ninguém será punido – salvo uma ou outra exceção, para confirmar a regra -, ainda que os corregedores se esmerem em apurar os desvios de conduta. Nesse caso, de nada adianta a tenacidade das corregedorias; por mais dedicados que sejam, o seu trabalho será embalde. A verdade é que, historicamente, os mecanismos de controle internos dos Tribunais sempre deixaram muito a desejar. E digo mais: juiz que ousar votar pela punição de um colega, ganhará um inimigo, e, quiçá, a antipatia dos seus pares…”.

Por tudo isso, e muito mais, é que, para mim, o ideal mesmo é que o CNJ aja como vem agindo: ante uma denúncia de desvio de conduta, deve, sim, agir, substituindo, se for o caso, as Corregedorias e os Tribunais. Se assim não for, concito os interessados na impunidade para o estouro do champagne.

*É membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

Blog: www.joseluizalmeida.com

E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Artigo para publicação”

  1. Nobre magistrado e cidadão deste torrão, tenho lido os vossos artigos e tenho aprendido muito. Apesar não ter amizade com o senhor, o tenho por estima pela sua sinceridade, firmeza de propósito e justeza. Seja o Senhor assim mesmo como costuma dizer, com defeito, comete erros e não é anjo.

    Sou um crítico analista, também cheio de defeitos, mas devo dizer-lhe que sobre o senhor reputaram-no como pessoa proba e que procura ser correta.

    Tenho criticado setores do judiciário. Felizmente são minorias destituídas de ética, moral e outros valores e princípios de civilidade.

    Feliz ano novo para o Senhor e sua família, um abraça fraterno.

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