Sentença condenatória. Roubo tentado.Concurso de causas de diminuição e aumento de pena.

A propósito da tese da defesa, devo anotar que na espécie não se configurou a desistência voluntária—como já mencionado acima—que só ocorre, como ressabido, quando o agente, iniciada a execução e mesmo podendo prosseguir nela, não a leva adiante; mesmo podendo dar seqüência à sua ação, desiste da realização típica. Na desistência voluntária, o agente muda de propósito. Na é forçado, como se deu em caso sob retina. Mantém o propósito, mas recua diante da dificuldade de prosseguir.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Vriminal

 

Na sentença a seguir transcrita, enfrento a tese da defesa de que o acusado desistiu, voluntariamente, de praticar o ilícito. Demonstro que, sob a minha ótica, o que houve, em verdade, foi que o acusado foi impedido, por circunstâncias alheias à sua vontade, de prosseguir com o seu projeto criminoso, daí, sob minha visão, cuidarem os autos de crime de roubo tentado.

O leitor deve observar mais dois detalhes que julgo relevantes, máxime para o acadêmico de direito. É que, tendo sido a pena fixada no mínimo legal, deixei de considerar eventuais circunstâncias favoráveis ao acusado, na mesma linha de entendimento da quase totalidade dos Tribunais nacionais. O leitor deve atentar, ademais, que a redução da pena, em face do que estabelece o parágrafo único do artigo 14, o foi no seu grau mínimo, ou seja, 1/3, em face do iter criminis percorrido pelo acusado.

Na mesma sentença pode-se observar que fixei o regime aberto, para o início de cumprimento da pena. Poderia, sim, em face da gravidade do crime, tê-lo fixado até em regime fechado. No caso presente – e cada caso é um caso – entendi que o acusado poderia, sim, cumprir a pena restritiva de liberdade, inicialmente, em regime aberto. Pelas mesmas razões entendi que ele poderia aguardar, em liberdade, eventual recurso tomado da decisão.

A sentença é de 2002, estando, portanto, dentre aqueles em que primei pela objetividade.

Processo nº 81/2001.

Ação Penal Pública

Acusado: C. de L. L.

Vítima: S. C.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra C. de L. L., brasileiro, solteiro, mecânico, filho de R. de L. da C. L., residente na Rua Santa Luzia, 04, Vila dos Frades, nesta cidade, a quem imputa a prática do crime de tentativa de roubo qualificado, em face de, no dia 24 de abril do ano de 2001, por volta das 16:30 horas, nas proximidades do terminal de ônibus da Vila Conceição, ter agarrado a vítima S. C., pelo colarinho, anunciando o assalto, tendo tentado tomar-lhe a bolsa e o relógio, ao tempo em que lhe desferia golpes de faca, pelo que teria incidido nas penas do artigo 157, §2º, I , c/c o artigo 14, II, ambos do Código Penal.

A persecução teve início com a prisão em flagrante do acusado(fls.05/07).

Exame de corpo de delito às fls.46.

Recebimento da denúncia às fls.52.

O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.55/56.

Defesa prévia às fls. 61/62.

Durante a instrução criminal foram ouvidas a testemunha A. C. S.(fls.70) e a vítima(fls.71).

Na fase de diligências, nada foi requerido pelas partes(fls.79 e 81).

Nas alegações finais, o Ministério Público, após discorrer acerca da prova colhida nos autos, pede, alfim, a condenação do acusados, nos termos da denúncia(fls.83/85).

A defesa, de seu lado, alega que o acusados desistiu voluntariamente de praticar o crime e que as lesões foram fruto do desajuste da vítima, que, nervosa e descontrolada, partiu para o confronto pessoal com o acusado, pelo que requer a sua absolvição, ou que, assim não entendendo, seja aplicada a pena no mínimo legal(fls.87/89).

Relatados. Decido.

Nos autos sub examine, como mencionado no relatório, o acusado foi denunciado pelo Ministério Público, em razão de ter tentado assaltar a vítima, com violência, em razão do que foi produzido na mesma lesão corporal, fato que não se concretizou por circunstâncias alheais à sua vontade.

Alfim e ao cabo da análise das provas consolidadas nos autos em aprêço, concluo, como o fez o representante ministerial, que o acusado, em verdade, malferiu , com sua ação, o preceito primário do artigo 157 do CP, com a utilização de uma faca, em razão do que a reprimenda deve ser majorada, a teor do inciso I, do §2º, do mencionado artigo.

Com efeito.

O acusado, malgrado tenha, na fase pré-processual(informatio deliciti)da persecução, negado a autoria do crime, na fase de cognição, oxigenada pelo contraditório e pela ampla defesa, sem tergirversar, admitiu ter tentado assaltar a vítima, o fazendo nos termos abaixo, verbis:

“…que, inicialmente, o interrogado não pensou em assaltar a vítima; que quando a vítima retornou, o interrogado resolver assaltá-la; que, então, aproximou-se da vítima com uma faca e deu voz de assalto; (…) que a vítima reagiu ao assalto, tendo sido, por isso, lesionada pelo interrogado; que o interrogado nada levou da vítima, porque, em verdade, queria dinheiro e a vítima não trazia consigo; que a vítima, quando recebeu voz de assalto, começou a gritar dizendo que não tinha dinheiro; que o acusado, então, nada levou…”(fls.55/56).

A confissão do acusado, de outra parte, restou confirmada pela vítima, que acrescentou ter o mesmo levado a sua bolsa, que foi-lhe tomada, em seguida, por populares, como se vê abaixo:

“…que, ao descer do veículo, foi surpreendido com a presença do acusado, o qual apontou uma faca em sua direção dizendo que se tratava de um assalto; que o acusado lesionou o declarante; que o acusado pegou uma bolsa presidente do declarante e saiu correndo; que a testemunha A. e alguns populares, armados de pau, conseguiram tomar a bolsa das mãos do acusado; que o acusado ainda tentou tomar o relógio do braço do declarante, o declarante chutou referido relógio, o que impossibilitou o acusado de levá-lo; que o acusado, nessa hora, utilizou-se de uma faca, mais uma vez lesionou o declarante; que reconhece o acusado aqui presente como autor do fato…”(fls.71).

Posso concluir, assim, que o acusado – reconhecido em juízo pela vítima – tentou subtrair a res furtiva, não logrando êxito na empreitada criminosa, em face da reação do ofendido. É dizer, por circunstâncias alheias à sua vontade.

O crime, de efeito, entrou em execução, mas no seu caminho para a consumação foi interrompido pela reação da vítima e de populares, como ressai dos depoimentos acima transcritos.

Presentes estão, à evidência, todos os elementos da tentativa, da realização incompleta da figura típica, ou seja: a)o início da execução. Pegou a bolsa da vítima e saiu correndo; b) não-consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do acusado. Reação dos populares não prevista pelo acusado; e c) dolo total em relação ao crime. Malgrado não tenha logrado êxito, em verdade buscava um resultado final, qual seja, a subtração de coisa alheia móvel, mediante violência.

O acusado, ao que entrevejo dos autos, buscava a realização da subtração da res furtiva, mediante violência, ou seja, buscava produzir um resultado mais grave do que efetivamente conseguiu.

A propósito da tese da defesa, devo anotar que na espécie não se configurou a desistência voluntária—como já mencionado acima—que só ocorre, como ressabido, quando o agente, iniciada a execução e mesmo podendo prosseguir nela, não a leva adiante; mesmo podendo dar seqüência à sua ação, desiste da realização típica. Na desistência voluntária, o agente muda de propósito. Na é forçado, como se deu em caso sob retina. Mantém o propósito, mas recua diante da dificuldade de prosseguir.

Os Tribunais, na hipótese vertente, são unissonantes. Confira-se, a propósito, as seguintes ementas:

“Desistência voluntária. Se o agente é impedido de prosseguir na execução de sua conduta, na há de se falar em desistência voluntária”(TJRS, AC 70000220046, Rel. José Eugêncio Tedesco, j.6-04-2000).

No mesmo sentido:

“Não há falar em arrependimento eficaz ou desistência voluntária se o iter criminis foi interrompido por circunstâncias alheias à vontade do acusado”(TJSP, AC, Rel. Dirceu de Mello, RT599:325).

Igual:

“Para a configuração da desistência voluntária é necessário que o agente não tenha sido coagido, moral ou materialmente, a interromper o iter criminis”(RJDTACIM 5/89).

Como se extrai das ementas retro transcritas, a desistência voluntária somente se caracteriza se a renúncia ao resultado da ação criminosa decorre de circunstâncias internas do autor do fato, tais como medo, piedade, o receio de ser descoberto, o remorso, etc.

Seguramente, não foi o que ocorreu no caso sob retina. Aqui, o acusado, em face da intervenção de populares e mesmo em vista da reação da vítima, não teve como prosseguir com a sua ação, pelo que se pode concluir que o iter criminis foi interrompido não porque o acusado tenha cessado espontanemente a sua ação, mas porque não tinha condições de prosseguir com sua empreitada criminosa.

Nos autos sub oculli, tenho a convicção, em face das provas que aqui se avolumam, que o acusado iniciou a execução do seu plano, colocando em risco o bem da vítima, juridicamente tutelado, passando, portanto, da simples cogitatio para a espécie punível da tentativa, devendo a resposta penal, com efeito, ser diminuída em 1/3, em face do iter percorrido, já que o acusado chegou, inclusive, a se apoderar da bolsa da vítima, não a tendo levado consigo, em face da reação dos populares, como já mencionado à exaustão.

Sob tal perspectiva, devo anotar, em relação à diminuição da pena, em face da tentativa, que “ o percentual menor, um terço, deve ser aplicado nos casos em que o sujeito ativo mais se aproximou da consumação; quanto mais longe ele estiver do seu ato criminoso, maior deve ser a atenuação, dois terços”(RT 733/694).

Ante o exposto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado C. de L. L., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157 do Código Pena, cuja pena-base fixo em 04(quatro)anos de reclusão e 10(dez)DM, à base de 1/30 do SM vigente à época do fato, que reduzo em 1/3, em face da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 14 do CP, perfazendo, assim, um total de 2(dois) anos e 08(oito) meses de reclusão e 03(três) DM, sobre as quais faço incidir, finalmente, 1/3, em face da causa de aumento de pena prevista no §2º, I, do artigo 157, também do CP, totalizando, em definitivo, 03(três) anos, 06(seis) meses e 20(vinte) dias de reclusão, e 04(quatro)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, em face do que estabelece o artigo 33, §2º, letra c, do CP.

O acusado deve aguardar em liberdade eventual recurso tomado desta decisão.

Consigno que deixei de reconhecer a atenuante decorrente da confissão do acusado, em face de a pena ter sido aplicada no mínimo legal.

Devo gizar, finalmente, que não fiz referência à circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, pelo mesmo motivo, ou seja, porque a pena-base foi fixada no mínimo legal, em razão do que, sabe-se, não há falar-se em nulidade do decisum.

P.R.I.C.

Certificado o trânsito em julgado, lançar o nome no réu no rol dos culpados.

Encaminhem-se os autos, após, à Central de Penas Alternativas e de Execução, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.

Custas, pelo acusado.

São Luís, 05 de novembro de 2002.

 

José Luiz Oliveira de Almeida

Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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