Na decisão a seguir transcrita foi ouvida apena uma testemunha na sede judicial, a qual, no entanto, nada trouxe de relevante que pudesse definir a autoria do crime.
Ante a fragilidade das provas produzidas, não firmei a convicção de que o acusado tivesse cometido o crime, daía que tive que absolvê-lo.
Vamos, pois, à decisão.
Processo nº0079881999
Ação Penal Pública
Acusado: A. B. F. e outro
Vítima: Centro de Ensino Unificado do Maranhão-CEUMA
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra A. DE J. F., brasileiro, solteiro, filho de P. J. F. e D. B. F., residente na Rua Irmãos Coragem, Alemanha, nesta cidade, e E. C. V., vulgo “ Bibinha”, brasileiro, solteiro, auxiliar técnico de refrigeração, filho de V. L. V.e M.da G. C.V., residente na Rua Formosa, nº 61, Monte Castelo, nesta cidade, o primeiro por incidência comportamental no artigo 171, caput, c/c o artigo 14, II, do CP, e o segundo, por incidência comportamental no artigo 155, caput, também do CP.
O primeiro denunciado, porque, de posse de dois cheques furtados da sala da administração do Centro Unificado do Maranhão – CEUMA, nos valores de R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinqüenta reais), um da agência 1140, Banco Itaú, nesta cidade, ter tentado sacar, via compensação, com depósito em sua conta pessoal de nº 2900046-6, da agência 408-1, do Bradesco, não tendo conseguido o seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade, sendo que o primeiro não sacou em face de rasuras no seu preenchimento, e o segundo por ter sido bloqueado por contra-ordem do emitente.
O segundo denunciado por ter sido o autor do furto dos mencionados cheques, na condição de empregado de uma empresa prestadora de serviço na instituição de ensino em comento, o qual, para realização do crime, entrou na sala de administração, cujo setor era de responsabilidade do senhor R. B. DA S., de lá retirando os cheques mencionados.
A persecução criminal teve início mediante portaria (fls.06).
Laudo de exame grafotécnico às fls. 44/45.
Recebimento da denúncia às fls.62.
O acusado A. B. F. foi qualificado e interrogado às fls. 66/68.
O acusado E. C. V. foi qualificado e interrogado às fls. 70/72.
Defesa prévia de E. C.V.às fls. 75/76.
Defesa prévia de A. B. F. às fls. 81/82.
Durante a instrução criminal foI ouvida apenas a testemunha S. C. F. N. (fls.109), tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO desistido das demais que arrolou.
Na fase do 499 as partes requereram diligências que foram deferidas (fls.125, 128 e 129v.).
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a condenação dos acusados no crime de estelionato, por entender que houve capitulação equivocada de crime de furto (fls.131/134).
A defesa, de seu lado, pede a) que seja concedido ao acusado o benefício da suspensão do processo, b) que seja julgada improcedente a pretensão punitiva do Estado em relação ao acusado A. F. e E. C. V., por se tratar de crime impossível e pela insuficiência de provas, ou, finalmente, se nada disse for possível, que c) que seja fixada a pena-base no mínimo legal, com a incidência das diminuições previstas nos artigo 171, § 1º e 14, parágrafo único, do CP, aplicando-se a pena de multa, ou o artigo 60, § 2°, ou, ainda, o artigo 44, todos do CP(fls.137/144).
Relatados. Decido.
01º Sumário. A IMPUTAÇÃO AOS ACUSADOS. O CRIME DE ESTELIONATO. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA. SUJEITOS DO DELITO. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. A CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO, EM TESE.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, com a incoativa, imputa aos acusados a prática dos crimes de estelionato e furto. O primeiro, imputado ao acusado A. B. F.; o segundo, ao acusado EL. C.V..
Em alegações finais, o MINISTÉRIO PÚBLICO, corrigindo o libelo (emendatio libelli), pede a condenação de ambos os acusados por incidência comportamental no artigo 171, c/c o artigo 14, II, do Digesto Penal.
Em face da corrigenda do libelo, devo me ater ao crime de estelionato.
Pois bem.
O tipo legal em comento tem a seguinte definição, verbis:
Estelionato
Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Pode-se inferir do texto legal que o bem jurídico protegido é o patrimônio.
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, sem condição especial, pois que se trata de crime comum.
O sujeito passivo pode ser igualmente qualquer pessoa, ou seja, a pessoa que sofre o prejuízo, desde que seja pessoa determinada.
A ação tipificada é obter vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro ( mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento).
Para tipificação do crime de estelionato exige-se os seguintes requisitos: a)emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; b) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3) obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio (do enganado ou de terceiro).
02º Sumário. OS FATOS E A DENÚNCIA. OS PRINCÍPIOS DA CORRELAÇÃO, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO, COROLÁRIOS DO DUE PROCESS OF LAW. OBSERVÂNCIA DA REGRA NARRA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS
A. B. F. e E. C. V. foram denunciados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ( ne procedeta judex ex officio e nemo judex sine actore), à alegação de terem malferido os preceitos primários dos artigos 171 e 155, respectivamente, do Codex Penal, imputação que, depois, reviu, em sede de alegações finais, como já consignado acima.
Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa dos acusados, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
Tudo isso porque, sabe-se, entre nós não há o juiz inquisitivo, cumprindo à acusação delimitar a área de incidência da jurisdição penal e também motivá-la por meio da propositura da ação penal.
Na jurisdição penal a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.
03º Sumário. AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO. AS FASES ADMINISTRATIVA E JUDICIAL. A INFORMATIO DELICTI E A OPINIO DELICTI. AS PERSECUTIO CRIMINIS IN JUDICIO.
Para materialização da persecução criminal as autoridades policiais e os órgãos judiciários estão dotados de potestas coercendi que lhes permite praticar atos dessa natureza, no curso do inquérito policial e da relação processual, respectivamente.
É que a persecução criminal, no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas, nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria: uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, preliminar e informativo (inquisitio est quam informatio delicti) cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor , ou autores, do ilícito, garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.
Com a prática do ato criminoso, o dever de punir do Estado sai de sua abstração hipotética e potencial para buscar existência concreta e efetiva. “A aparição do delito por obra de um ser humano torna imperativa sua persecução por parte da sociedade, a fim de ser submetido o delinqüente à pena que tenha sido prevista em lei” (JOSÉ FREDERICO MARQUES, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, 1997, p..127).
Quando afirmo que a prática de um ato criminoso impõe ao Estado, por seus agentes, o dever de punir, o faço porque de há muito foi abolida a vingança privada e a sanção penal hoje é monopólio do Estado, “pois o direito penal tem uma função pública, achando-se fora de seu âmbito qualquer forma de repressão privada. O particular pode vingar-se de seu ofensor, reagir contra ele, nunca porém exercer tarefa sancionadora” (SEBASTIAN SOLER, Derecho Penal Argentino, apud JOSÉ FREDERICO MARQUES, ob. cit. p. 23).
04° Sumário. AS PROVAS PRODUZIDAS NA PRIMEIRA FASE DA PERSECUTIO CRIMINIS. PROVAS EXTRAJUDICIAIS.
A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas que se avoluma nos autos
Pois bem.
A primeira fase da persecutio criminis, marcadamente administrativa, teve início mediante portaria (fls.06).
Em sede administrativa foram produzidas várias “provas”, as quais, depois, avalizaram a deflagração da ação penal, em sua sede judicial.
Destaco da sede extrajudicial o depoimento de R. B. DA S., representante do UNICEUMA (fls.10/11), o interrogatório do acusado A. B. F. (fls.12/13), o interrogatório do acusado E. C. V. vulgo “Bimbinha” (fls. 18/19), os depoimentos de C. A. B. P., vigilante da SPART ENGENHARIA LTDA, com atividade na porta principal de acesso à Diretoria do UNICEUMA (fls. 24/25), S. C. F. N. e J. F. C., empregadas da empresa SPART ENGENHARIA, prestadora de serviços de manutenção e limpeza(fls. 26/27 e 28/29), L. P. R., M. R., V. S. P. (fls.35/36, 37/38 e 39/40), todos empregados da empresa REFRIGERAÇÃO PERICUMÃ, que presta serviços de limpeza e manutenção de ar condicionado para o UNICEUMA, S. S. e J. H. G. (fls.41 e 42), ambos empregados do BRADESCO, e o LAUDO DE EXAME GRAFOTÉCNICO (fls. 44/45).
Importa gizar, em face de sua relevância para o deslinde da questão, que o acusado A. B. F. negou a autoria do crime em sede administrativa.
É de relevo que se consigne, ademais, que o acusado E. C.V. nada informou de relevante que pudesse fazer concluir que tivesse cometido o crime, cuja autoria se lhe aponta o MINISTÉRIO PÚBLICO.
Tendo às mãos todos esses dados, o MINISTÉRIO PÚBLICO deflagrou a persecução criminal, em seu momento judicial, apontando aos acusados, como registrado acima, o malferimento dos preceitos primários dos artigo 171 e 155, ambos do CP.
05 Sumário. AS PROVAS AMEALHADAS NA SEGUNDA FASE DA PERSECUÇÃO. A DENÚNCIA FORMULADA. DELIMITAÇÃO DA ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE DE AMPLA DEFESA.
Encerrada a primeira fase, o MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse dos dados colacionados no caderno administrativo ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra o acusado A. B. F., e E. C. V., imputando aos mesmos o malferimento do preceitos primários ( preceptum iuris) dos artigos 171, caput, c/c o artigo 14, II, e 155, caput, ambos do Digesto Penal, fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.
Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, o acusado A. . F.foi interrogado (fls.66/68)(audiatur et altera pars) , tendo, no entanto, negado a autoria do crime.
O acusado E. C. V. também ouvido nesta sede, negou, mais uma vez, a autoria do crime (75/76).
Nesta sede, além dos depoimentos do acusados, foi ouvida apenas a testemunha S. C. F. N., de cujo depoimento vislumbrei de relevante a afirmação de que, em um determinado dia, viu o acusado E. C.V. no interior da sala do Diretor Administrativo do UNICEUMA, em dia que não deveria estar lá (fls. 109).
Com esses depoimentos, encerrou-se a fase judicial da persecutio criminis.
Devo, a seguir, decidir, com esteio nas provas amealhadas nos autos.
06º Sumário. AS CONCLUSÕES A PAR DO QUADRO DE PROVAS. INEXISTÊNCIA DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA AUTORIA DO CRIME.
As provas in casu sub studio, como sói ocorrer, foram produzidas em dois momentos distintos: fases administrativa e judicial.
A prova administrativa, sabe-se, municia o MINISTÉRIO PÚBLICO, órgão oficial do Estado, responsável pela persecução criminal nos crimes de natureza pública, para que este, se assim entender, oferte a necessária denúncia.
A prova administrativa, com efeito, não serve, isolada, para dar sustentação a um decreto de preceito condenatório.
Há que se produzir, assim, provas no ambiente judicial, arejada pela ampla defesa e pelo contraditório, corolários do devido processo legal ( due process of law), sem as quais restará inviável a edição de um decreto sancionatório.
A par, pois, dos dados consolidados em sede judicial, a sede das garantias constitucionais, devo dizer que não há dados bastante a legitimar a condenação dos réus.
De efeito, além dos depoimentos dos acusados – que negaram a autoria, registre-se – foi ouvida apenas uma testemunha, qual seja, S. C. F. N. (fls. 109), a qual, nada obstante, não trouxe qualquer elemento de prova capaz de fazer crer que os acusados tivessem, efetivamente, malferido os preceitos primários declinados na incoativa, ou o preceito primário declinado nas alegações finais do MINISTÉRIO PÚBLICO.
A prova judiciária, sabe-se, tem um claro, claríssimo objetivo, qual seja “ a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é com, com a verdade dos fatos” (EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, in Curso de Processo Penal, 4ª edição, editora Del Rey, p. 363).
Essa tarefa, de reconstruir a verdade dos fatos, não é fácil de ser cumprida, resultando, não raro, que, pese as várias provas produzidas, não se consegue a reconstrução histórica dos fatos, assomando dos autos, muitas vezes, apenas a verdade processual. O processo, muitas vezes, produz apenas uma certeza do tipo jurídica, mas que pode, sim, não corresponder à verdade da realidade histórica. Nos autos sub examine, é bem de ver-se, essa realidade histórica ficou ainda mais distante, tendo em vista que a única testemunha inquirida não trouxe qualquer dado relevante que pudesse nos conduzir à verdade histórica que se buscou.
É truísmo afirmar, mas devo fazê-lo, que “ para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa, é necessário que adquira a certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autoria” ( JÚLIO FABBRINI MIRABETE, in Processo Penal, 17ª edição, Editora Atlas, p. 274).
O magistrado só estará convicto de que o fato ocorreu e de que seja determinada pessoa a autora do ilícito, só terá a certeza do crime e de sua autoria, “ quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos “ (JULIO FABBRINI MIRABETE, ob. cit. p. 274).
Na sede administrativa, consignei acima, várias provas foram produzidas, as quais, entretanto, isoladamente, não autorizam a condenação dos acusados sabido que a prova que autoriza a condenação ´” é a produzida na instrução processual, que é contraditória, perante o juiz que dirige o processo, e que forma sua convicção pelo princípio do livre convencimento fundamentado, vigorante em nossos processo” (PAULO LÚCIO NOGUEIRA, in Curso Completo de Processo Penal, Editora Saraiva, p. 141).
O MINISTÉRIO PÚBLICO denunciou os acusados por terem eles infringido um comando normativo. O MINISTÉRIO PÚBLICO, entrementes, não conseguiu demonstrar, quantum sufficti, ser verdadeira a imputação. Sem que conseguisse o representante ministerial demonstrar tenham os acusados enfrentado um comando normativo penal, resta, debalde, com efeito, a sua pretensão, pois que, é ressabido “ de nada adiante o direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstra que se encontra numa situação que permite a incidência da norma” ( VICENTE GRECO FILHO, in Manual de Processo Penal, Editora saraiva, p. 173).
A finalidade da prova, não é demais repetir, é o convencimento do juiz, que é seu destinatário, de que os acusados tenham infringido um comando normativo. No processo, a prova, bem por isso, não é um fim em si mesma. Sua finalidade é prática, ou seja, convencer o juiz . Não da certeza absoluta, a qual, devo dizer, é sempre impossível, “ mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado” (VICENTE GREGO FILHO, ob. cit. p. 174).
O Estado, ao dar início à persecução penal, ao por em funcionamento a máquina estatal, há que se lembrar que tem diante de si um acusado que tem o direito constitucional a ser presumido inocente, pelo que possível não é que desta inocência o mesmo tenha que fazer prova. Resta, então, a ele (Estado) a obrigação de provar a culpa do acusado, com supedâneo em prova lícita e moralmente encartada aos autos, sob pena de, em não fazendo o trabalho que é seu, arcar com as conseqüências de um veredicto valorado em favor do acusado.
É de relevo que se diga que não é ao acusado que cabe o ônus de fazer prova de sua inocência, seria a consagração do absurdo constitucional da presunção da culpa, situação intolerável no Estado Democrático de Direito. É órgão estatal que tem o dever de provar que tenha o réu agido em desconformidade com o direito.
Preconiza o artigo 157 do CPP, que o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova. Em decorrência disso, vários são os princípios que regem a prova e sua produção em juízo. A nossa lei processual penal, pelo que se depreende da dicção do dispositivo legal acima mencionado, adotou o princípio do livre convencimento, também denominado da livre convicção, ou da verdade real, como é comumente chamado. Por tal princípio, o juiz firma sua convicção pela livre e isenta apreciação da prova, não ficando adstrito a critérios apriorísticos e valorativos, não existindo provas previamente tarifadas ou de maior valor que outras, quando da busca da verdade real no caso a ser apreciado.
In casu sub examine, o exame da prova amealhada em sede judicial não me conduz à certeza, em face de sua fragilidade, que tenham os acusados incidido nas penas do tipo penal nas alegações finais do MINISTÉRIO PÚBLICO.
A exposição de motivos do CPP esclarece que ” O projeto abandonou radicalmente o sistema da “certeza legal”. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá ex vis legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra”. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais advertir, porém, que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação da prova.
Decidir em desfavor dos acusados, com espeque na única prova que se produziu em sede judicial, seria, a meu sentir, decidir arbitrariamente. Seria, releva dizer, afrontar o princípio da livre convicção, transformando-o em arbítrio, pura e simplesmente.
É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova. Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo.
É de rigor que o juiz deve fundamentar todas as suas decisões (Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 05 de outubro de 1.988 e Código de Processo Penal, artigo 381, III ). Só pode fazê-lo, no entanto, se provas forem produzidas em sede judicial. Jejuno de prova judiciais o processo, o magistrado não dispõe de dados que lhe permita fundamentar uma decisão. A menos que, absurdamente,. pudesse decidir somente segundo sua experiência pessoal, segundo dados que não foram colhidos nos autos.
Todo o processo penal se desenrola com o objetivo único da decisão, do pronunciamento do Estado-juiz, a pôr um fim à lide penal instaurada com o surgimento – pela infração à norma – do jus puniendi. Por isto mesmo é que toda a atividade desenvolvida pelos intervenientes no processo tem por finalidade trazer aos autos provas capazes de reconstituir historicamente o fato inquinado de criminoso, de tal maneira que seja possível criar, no espírito do julgador, uma clara certeza acerca dos acontecimentos. Assim é que esta atividade instrutória há de ter regras rígidas de apreensão e controle das provas produzidas, no dúplice interesse da apuração dos fatos e também da garantia do direito de defesa de que goza o argüido. Esta rigidez possibilita uma garantia de que o órgão incumbido de proferir a decisão vai trabalhar a partir de premissas válidas, construindo sobre elas hipóteses o mais possível (ou tanto quanto possível) verdadeiras.
O decreto condenatório precisa estar fincado sobre os elementos carreados ao processo e que ofereçam ao magistrado sentenciante a pacífica certeza da ocorrência dos fatos censurados e apontem sua autoria. Existindo fragilidade nas escoras probatórias, todo o juízo edificado padece de segurança, dando margem às arbitrariedades e pondo em risco o ideal de justiça preconizado pelas sociedades democráticas.
A prova produzida em fase de inquérito policial não é suficiente, por si só, para expedição de uma condenação criminal, devendo ela ser valorada em juízo nos termos de direito. Com efeito, deve ser absolvido o acusado da imputação, nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, se as provas apresentadas não forem aptas a apoiar a convicção do magistrado, dando segurança para embasar um decreto condenatório. (TREMS – RCrEL 23 – (4.472) – Rel. Juiz Pedro Pereira dos Santos – J. 24.06.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI
A decisão abaixo é no mesmo diapasão, verbis:
RECURSO – PRISÃO EM FLAGRANTE – PROPAGANDA ELEITORAL EM DIA DE ELEIÇÃO – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – DELITO NÃO CARACTERIZADO – AUTORIA NÃO DEMONSTRADA – SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE MERECE SER REFORMADA – PROVIMENTO DO RECURSO – Ante a insuficiência de conjunto probatório capaz de sustentar um Decreto condenatório e, não restando demonstrada a autoria do delito por parte do recorrido, é de se conceder provimento ao recurso para, nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, absolver o recorrente. (TREPB – PROC 2438 – (1864) – Rel. Juiz Marcos Cavalcanti de Albuquerque – DJPB 20.08.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI
No mesmo sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL – TÓXICO – TRÁFICO – INOCORRÊNCIA – ABSOLVIÇÃO – AUTORIA INCERTA – DECLARAÇÃO ISOLADA DE UMA TESTEMUNHA, CONTRARIADA PELA VERSÃO DO RÉU – FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO – PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – RECURSO PROVIDO – Revelando-se as provas colhidas no inquérito policial e em juízo, frágeis e duvidosas, impõe-se a absolvição do réu, por insuficiência de provas, nos termos do artigo 386, incisos VI, do CPP. (TJAC – ACr 02.002253-0 – (2.410) – C.Crim. – Rel. Des. Francisco Praça – J. 04.04.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI
No mesmo rumo:
APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – PROVAS – MATERIALIDADE E AUTORIA – INSUFICIÊNCIA – MANUTENÇÃO DO DECISUM – MENS LEGIS – INTELIGÊNCIA DO ART. 386, VI, DO CPP – Não sendo o conjunto probatório suficiente para afastar toda e qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal do acusado, imperativa é a prolação de sentença absolutória. Inteligência do art. 386, VI, do CPP. “Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da autoria deve ser concludente e estreme de dúvida, pois só a certeza autoriza a condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição do réu deve prevalecer” (RT 708/339). Recurso a que se nega provimento. (TJMG – APCR 000.303.473-3/00 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Tibagy Salles – J. 13.05.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI
Na mesma senda:
Inexistindo prova robusta para proferir-se um decreto condenatório, a melhor solução é a absolvição do acusado, atendendo ao princípio do in dubio pro reu, uma vez que, para ensejar uma reprimenda criminal, a autoria e a materialidade do delito têm de estar absolutamente comprovadas nos autos. 5. Apelação improvida. Sentença absolutória mantida, por fundamento diverso. Incidência do art. 386, VI, do cpp. (TRF 4ª R. – ACr 2002.04.01.012888–5 – PR – 7ª T. – Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva – DJU 24.07.2002) JCP.334 JCPP.386 JCPP.386.VI
Na mesma direção:
AÇÃO PENAL – LATROCÍNIO – MATERIALIDADE CERTA E AUTORIA DUVIDOSA – PROVA INCONSISTENTE – APELAÇÃO PROVIDA – Absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Não bastam indícios e presunções para que o estado-juiz possa condenar o acusado. É indispensável que a prova constitua uma cadeia lógica que conduza à certeza da autoria. Se um dos elos dessa cadeia mostra-se frágil, se algum mosaico do estrado probatório comparece destruído, outra alternativa não resta, a não ser a absolvição do acusado. E assim ocorre, quando o reconhecimento do infrator pelas pessoas presentes na cena do crime não corresponde à realidade fática. (TJDF – APR 19980410044446 – DF – 2ª T.Crim. – Rel. Des. Romão C. Oliveira – DJU 23.10.2002 – p. 79) JCPP.386 JCPP.386.VI
Na mesma alheta:
Em que pese o sistema da livre convicção, não pode o magistrado proferir sentença condenatória com base apenas em prova testemunhal precária e divergente, posto que o livre arbítrio e a ampla liberdade para apreciar as provas coligidas não lhe concede o direito de julgar de acordo com convicções íntimas e subjetivismo, permanecendo o dever de motivar as decisões com base no conjunto probatório, sob pena de proferir decisão incapaz de legitimar a prestação jurisdicional;.Recurso provido. (TJMA – ACr 015519/2002 – (42.731/2002) – 2ª C.Crim. – Relª Desª Madalena Serejo – J. 19.12.2002) JCPP.386 JCPP.386.VI
No mesmo diapasão:
O sistema de livre apreciação da prova não outorga poderes absolutos aos Juízes, posto que a exigência de prova cabal é imprescindível. Acolhem-se os embargos infringentes ajuizados por E.C. para o fim de absolvê-lo da imputação de estar incurso nas penas do art. 157, § 2º, incisos I, II e V, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso VI, do CPP, devendo ser expedido o competente alvará de soltura. (TACRIMSP – EI 1.206.087-2/1 – 6ª C. – Rel. Juiz Almeida Sampaio – J. 20.06.2001) JCPP.386 JCPP.386.VI JCP.157 JCP.157.2 JCP.157.2.I JCP.157.2.II JCP.157.2.V
Na mesma linha:
PROVA – Condenação calcada em mero juízo de probabilidade – Impossibilidade – Jurisprudência citada: – Inteligência: art. 386, VI do Código de Processo Penal, art. 155 do Código Penal.
32 – A condenação criminal não pode ser ditada por mero juízo de probabilidade, devendo estar alicerçada em elementos seguros da autoria criminosa, mormente se considerado que o Direito Penal não opera com conjecturas, estando o sistema penal assentado na presunção de inocência do réu.
(Apelação nº 1.326.641/0, Julgado em 29/01/2.003, 9ª Câmara, Relator: Pedro de Alcântara, RJTACRIM nº 64/129).
Sob o mesmo fundamento:
Deve ser absolvido, nos termos do art. 386, VI, do CPP, o acusado de roubo na hipótese em que há indícios tênues de que praticou o crime, pois tal circunstância, por si só, é incompatível com a exigibilidade de sentença condenatória. A condenação deve basear-se em provas claras e seguras, produzidas sob o pálio do contraditório, ou em relevantes elementos de convicção colhidos na fase extrajudicial, desde que corroborados por prova judicial escorreita e tudo em respeito e em homenagem ao princípio da verdade real que, em matéria penal, deve sempre prevalecer sobre a verdade formal.
(Apelação nº 1.332.101/8, Julgado em 10/02/2.003, 12ª Câmara, Relator: Antonio Manssur, RJTACRIM nº 64/142)
No mesmo sentido:
PROVA – Clareza, robustez e indubitabilidade – Condenação – Necessidade: – Inteligência: art. 386, VI do Código de Processo Penal.
38 – A prova para a condenação deve ser clara, robusta e induvidosa, sendo de rigor a absolvição se esta apresentar-se precária, pois é de notória sabença que o Direito Penal não opera com conjecturas.
Apelação nº 1.314.469/8, Julgado em 02/09/2.002, 5ª Câmara, Relator: Pedro de Alcântara, RJTACRIM 63/151)
TUDO POSTO, julgo improcedente a denúncia, para, de conseqüência, ABSOLVER os acusados da imputação que lhes é feita pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, o fazendo com espeque no inciso VI, do artigo 306, do Digesto de Processo Penal.
P.R.I.
Sem custas.
Transitada em julgado esta decisão, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.
São Luis, 10 de junho de 2005.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Gostaria de ler a alegação final de defesa do advogado para que o juiz fosse favorável a absolvição no caso do artigo 157 .
Estou começando agora na verdade engatinhando e gostaria muito de ler essa alegação.
Obrigada pela atenção.
Rose.