O alemão, ao noticiar a morte de Fernand, esperou que Rachel recebesse a notícia com lágrimas, gritos e palavrões. Qual não foi a sua decepção quando se limitou a dizer: “Não acredito que Fernand não pense mais!”.
Da reação de Rachel Zalkinof pode-se inferir que há pessoas, em face de sua racionalidade, que são capazes de construir frases de enorme significado para humanidade – mesmo diante de uma situação absolutamente adversa.
À luz da verdadeira dimensão da exclamação de Rachel, pode-se afirmar, sem reinventar a roda, que o que de mais grave se pode impingir ao ser humano é, verdadeiramente, impedi-lo de pensar. E só se pode impedir alguém de continuar pensando, definitivamente, tirando-lhe a vida. É que, com a morte, nem Fernand, e nem ninguém, pode pensar.
Reafirmo, nessa senda, que quem em vida não é capaz de pensar – e existem muitos, não tenho dúvidas – , não sabe o que é viver. Aliás, não vive: vegeta!
É que o homem, sem pensar, sem refletir sobre as coisas do mundo, é um nada! É pura matéria! É coisa nenhuma! É bicho bruto! É a corporificação do irrelevante! É um amontoado de carne e osso, sem nenhuma importância!
Pensar é a certeza da existência racional.
É essa racionalidade que nos distinguem dos demais animais que há sobre a terra.
Se pensamos, é porque temos consciência.
Se temos consciência do que pensamos, é porque existimos, verdadeiramente. Quem pensa tem consciência de si mesmo.
Quem pensa pode questionar, pode duvidar, pode argumentar, pode criar, pode fazer e acontecer.
Quando deixamos de pensar é porque já não existimos.
Quando, ao reverso, nos damos conta de que estamos pensando, estamos reafirmando a nossa existência.
Pensar é poder se opor, é poder contestar, é poder se afirmar, estabelecer a contradita, externar a simpatia, a antipatia, o preconceito, aderir, combater, se contrapor, enfrentar o inimigo, etc.
Pensar, ainda que de forma equivocada, esquecer do que disse em face do que pensou, repetir as mesmas coisas algumas vezes, é, simplesmente, viver.
E viver, não se há de negar, é, muitas vezes, pura contradição mesmo.
O pensamento que me faz rir é o mesmo que pode fazer chorar o semelhante.
O pensamento que me ergue, que me faz voar, que me conduz a caminhos nunca dantes trilhados, é o mesmo que pode levar o meu semelhante à pura prostração.
Mas isso é viver!
E pensar é viver!
É crer!
É ver e discernir.
Depois de tudo que foi exposto nestas reflexões, fruto de minha capacidade de pensar – de forma equivocada, não raro, devo admitir -, o leitor, irreverente, pode concluir, até, que tudo que pensei não passa de uma bobagem de quem tem a mente desocupada.
Mas ninguém pode negar que, mesmo para dizer asneira e para criticar quem a exterioriza, é preciso estar vivo.
E que bom que estamos vivos: eu e o leitor. O articulista para dizer bobagens e o leitor, para criticá-las.
Para reafirmar e ilustrar o que acima expendi, lembro das palavras de Victor Hugo, escritor e poeta francês de grande atuação política em seu país, para quem “O pensamento é mais que um direito; é o próprio alento do homem.”
Na mesma senda as reflexões de Emilio Castelar y Ripoll, Político e escritor espanhol, penúltimo presidente da Primeira República Espanhola, para o qual, “Pensar é viver; o pensamento tudo abrange, tudo contém, tudo explica.”
Na mesma direção a célebre “Cogito, ergo sum”, de René Descartes, que, nada mais, nada menos, numa análise mais do que simplista e superficial, significa dizer: penso, logo tenho consciência de mim mesmo, logo sei de algo, de alguma coisa – sei da vida. Existo, enfim.
De tudo o que expus, despretensiosamente, devo reafirmar o óbvio: para pensar é preciso estar vivo.
Todavia, estar vivo e não ser capaz de pensar, não ser capaz de nada edificar, a partir de um pensamento racional, é o mesmo que não ter existência.