Gilmar Mendes com a palavra

Juízes confundem autonomia com soberania, diz Mendes

Ex-presidente do STF defende ação do CNJ e critica entidades de magistrados

Para Gilmar Mendes, Judiciário talvez seja único Poder que venha fazendo ‘autocorreção’, graças ao conselho

LUCAS FERRAZ
FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

A crise que domina a cúpula do Poder Judiciário tem sua origem em setores da magistratura que confundem autonomia com soberania.

Essa é a avaliação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de 2008 a 2010 e um dos responsáveis pela forma como a instituição atua no momento.

“Imagino que alguns magistrados estejam fazendo essa confusão, de que os tribunais são entidades soberanas. Confundem autonomia com soberania”, disse Mendes em entrevista à Folha.

O CNJ, responsável pelo controle e pela transparência da Justiça brasileira, virou o centro da polêmica. A corregedora Eliana Calmon e uma ala do Supremo defendem que o conselho tenha poder de investigação independente, sem esperar pelas ações das corregedorias estaduais.

Cezar Peluso, que preside o CNJ e também o STF, lidera o grupo que prega apuração nos próprios tribunais antes que a investigação seja realizada pelo conselho.

Associações representativas de magistrados foram à Justiça na tentativa de limitar o poder de atuação do CNJ. O caso deve ser julgado em breve pelo plenário do STF.

Gilmar Mendes ressaltou que a ideia de criar o CNJ nasceu no início dos anos 1990, na esteira da promulgação da Constituição, quando já era evidente a falta de capacidade das corregedorias estaduais em investigar seus próprios magistrados -o conselho foi criado em 2004.

SEM QUEBRA DE SIGILO

Para o ministro, nunca houve quebra indiscriminada de sigilos na investigação do CNJ sobre pagamentos a juízes e servidores do Judiciário, como alguns se referem à divulgação recente de dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), feita pela corregedoria, que pesquisou mais de 200 mil nomes.

“Não há quebra de sigilo quando alguém faz uma verificação em folha de pagamento. Todos esses anos pedimos para ter controle das contas, é um princípio republicano. Há algum segredo em relação ao meu salário ou a alguma verba que recebo na condição de ministro?”

‘SEM FALSEAR OS FATOS’

Para Mendes, os principais responsáveis pela crise são as associações representativas que foram tomadas por grupos corporativistas.

“Nós, enquanto juízes, temos que ter uma certa lealdade argumentativa. Talvez ninguém devesse falsear a verdade, mas nós juízes deveríamos ser mais respeitosos em relação aos fatos”, disse.

“O ambiente está tenso e emocional, e quando isso ocorre a verdade acaba sendo a primeira vítima.”

Visto com reserva por uma ala do Judiciário, que o considera polêmico e midiático, Gilmar Mendes rebate a crítica de que o Poder, em comparação ao Executivo e ao Legislativo, seja mais fechado.

‘AUTOCORREÇÃO’

“Talvez o Judiciário seja o único Poder que esteja fazendo, graças ao CNJ, uma autocorreção. Quase todos os problemas foram levantados por nós”, afirma.

Sobre a transparência, ele comenta que as decisões econômicas do Executivo estão longe de serem “marcadas por princípios de transparência, em todo o sentido”. “Da mesma forma que não conhecemos os motivos das decisões tomadas no Legislativo.”

Mas ele reconhece que a atual situação da Justiça brasileira não é satisfatória: “As mazelas ainda existem”.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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