A desistência voluntária, sabe-se, é causa de exclusão da tentativa, mas somente se configura se a renúncia ao resultado da ação criminosa decorre de circunstâncias internas à pessoa do agente, como o medo, a piedade, o receio da punição, o remorso, o que, definitivamente, não se verificou em o caso sob retina. In casu, essas chamadas circunstâncias internas não se apresentam com a nitidez necessária a configurar a desistência voluntária. Se o agente não demonstrou, objetivamente, que tinha sua vontade dirigida para abandonar a execução do homicídio e se a teve, efetivamente, tolhida em face da ação de terceiros, não há falar-se em desistência, devendo, por isso, ser pronunciado.
Juiz Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Na sentença abaixo transcrita enfrento a tese do Ministério Público, apresentada alfim da instrução, no sentido de que os autos tratariam de crime de lesão corporal, da competência do juízo singular, e não crime doloso contra a vida, de competência do Tribunal do Júri.
Entendo, na mesma linha de entendimento do e. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que o que causa nulidade não é a falta das alegações finais. O que causa nulidade é, sim, a falta de intimação da defesa para ofertá-las. Se a defesa, intimada, opta pelo silêncio, entendo deva o magistrado prolatar decisão.
Anoto que, infelizmente, o Tribunal de Justiça do Maranhão não segue o mesmo entendimento, resultando disso o fato de que, havendo recurso, o Tribunal decide, sempre, pelo retorno dos autos à vara de origem, para que seja intimado o acusado para constituir novo procurador, na pressuposição de que o advogado antes contratado tenha abandonado a causa.
Com esse entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão, pelas suas duas câmaras criminais, os advogados chicaneiros têm deixado de apresentar as alegações finais e ficam no aguardo para, só depois, ofertar a peça em comento, quando o réu lhe procurar, após ter sido intimado para constituir novo procurador.
Os advogados agem mais ou menos assim: sabedores de que o Tribunal de Justiça do Maranhão não aceitará a decisão do juiz singular sem as alegações finais, eles deixam de ofertá-las e ficam aguardando que o magistrado intime o réu para constituir novo procurador. Intimado o acusado e tendo este cientificado o seu advogado dos motivos da intimação, esse mesmo advogado peticiona dizendo que continua patrocinando a causa do acusado, pese omisso em face da primeira intimação. No mesmo passo – pasmem! – o advogado ainda pede a reabertura do prazo para ofertar as derradeiras alegações. Em face da posição do TJ/MA, não posso deixar de reabrir o prazo para defesa. E advogados sabem que não posso, pois, se julgar o processo, o Tribunal anula a sentença, sob alegação de sido cerceada a defesa do acusado.
Com essa alicantina, o advogado do acusado termina se beneficiando do prazo em dobro, além do tempo em que o feito ficou parado até que se lance nele um novo despacho.
Pode-se inferir do exposto que a posição do TJ/MA é fomentadora da alicantina e vem beneficiando os advogados chicaneiros, com retardo, de efeito, para entrega do provimento judicial.
Desde o meu olhar, cuidando-se de crime de competência do Tribunal do Júri, pode-se, sim, julgar o feito sem as alegações finais, desde que o advogado do acusado tenha sido intimado. Diferente providência deve ser adotada, se o crime for da competência do juiz singular, pois que é nas alegações finais que o advogado expende as suas teses. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, cuja decisão é meramente de admissibilidade, ou não, da acusação – sem exame do mérito, portanto – entendo que as alegações finais são facultativa.
A sentença abaixo transcrita é do ano de 2003, estando, portanto, entre as sentenças que proferi com mais objetividade.
Tratando-se decisão de pronúncia, tive o cuidado de não analisar a prova em profundidade, para não influir no ânimo dos jurados, na hipótese de ser o acusado submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Processo nº 50/97
Ação Penal Pública
Acusado: C. D. N.
Vítima: José Ribamar Ferreira Júnior
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra C. D. N., brasileiro, casado, taxista, filho de M. S. D. e I.D., residente e domiciliado na Rua Hugo da Cunha machado, 133, bairro de Fátima, pro incidência comportamental no artigo 121, c/c o artigo 14, II, do Código Penal, em face de, no dia 17 de julho de 1990, ter atentado contra a vida da vítima José Ribamar Ferreira Júnior, a golpes de facão, estando os fatos narrados, em detalhes, na denúncia, que, no particular, passa a integrar este relatório.
Exame de corpo de delito, às fls. 25.
Exame complementar às fls. 41.
Recebimento da denúncia às fls. 38.
O acusado foi interrogado e qualificado às fls.59/60.
Defesa prévia às fls.62.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas José Ribamar Ferreira Júnior(fls.67), José João Coelho(fls.68), João de Deus Pereira Mendes(fls.69), Maria Vera Lúcia Alves Santos(fls.110), Fernando José Rodrigues(fls.111) e Marivalda Diniz Mendes(fls.112)
O Ministério Público, em alegações finais, pediu, depois de analisar as provas dos autos, a desclassificação da imputação inicial, por entender que a espécie não alberga crime de competência do Tribunal do Júri, mas, sim, crime de lesão corporal(fls.115/120).
A defesa, de seu lado, pese intimada, deixou de ofertar as alegações finais, malgrado tenha ficado com os autos do dia 23 de setembro de 2002, a 13 de junho do corrente, só o fazendo porque fora instado a fazê-lo.
Relatados. Decido.
1. Preliminarmente, registro que o procurador do acusado, devidamente intimado para ofertar as alegações finais, não o fez, entretanto, fato que, a meu sentir, não contamina o feito de nulidade, pois que, como ressabido, sobretudo quando se cuida de crimes da competência do Tribunal do Júri, a defesa pode, sim, se entender conveniente, deixar de ofertar as derradeiras alegações.
1.1 Nessa mesma linha de entendimento têm decido os Tribunais, como se colhe das ementas abaixo transcritas, a primeira da Suprema Corte e a segunda do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“Não importa nulidade, por cerceamento de defesa, a não apresentação de alegações finais(artigo 406 do CPP) pelo advogado constituído, notificado e com vista do processo, não demonstrado o abandono da causa”(RT 570/421)
1.2 No mesmo sentido:
“A não apresentação das alegações finais, nos processos de competência do Tribunal do Júri, embora regularmente intimados, não implica em cerceamento de defesa, de modo a ensejar a nulidade da denúncia, de vez que a omissão pode configurar-se numa tática defensiva”(RSTJ 50/398).
2. Superada a questão preliminar, passo ao exame da questão de fundo, antecipando que provadas estão a autoria do crime e a materialidade delitiva: aquela em razão da confissão do acusado e dos depoimentos tomados em sede judicial; esta, em face da prova pericial acostada(fls.25 e 41)
3. O busílis, a meu aviso, é saber se, à luz das provas albergadas nos autos, se os dados probatórios autorizam a desclassificação, nos moldes propostos pelo Ministério Público, em sede de alegações finais, ou se, ao contrário, o acusado, efetivamente, atentou, dolosamente, finalisticamente, contra a vida da vítima, como retratado na inicial.
4. Deve ser indagado, outrossim, na mesma linha de análise, se o acusado desistiu voluntariamente da ação, ou se, ao contrário, fora compelido a fazê-lo por circunstâncias alheais à sua vontade.
5. Confesso que, durante a análise das provas, aqui considerados os dois momentos do jus persequendi, fui sendo levado a crer, às vezes, que o acusado desistiu voluntariamente, outras vezes, que não consumou o seu intento, por razões alheias à sua vontade.
6. Alfim do exame mais detido da prova, entretanto, concluo, finalmente, que a espécie cuida, sim, de crime doloso contra a vida, a autorizar, ex vi legis, a admissibilidade da acusação, como se verá a seguir.
7. Pois bem.
7.1 Do exame da prova encartada no almanaque probatório, com a necessária e indispensável detença, concluo, finalmente, em linha de entendimento diametralmente oposto à do representante ministerial, que a espécie cuida de tentativa de homicídio, pois que o acusado, ao desferir golpes de facão na vítima, um dos quais atingiu-lhe o pescoço, deixou evidenciado o animus occidendi.
8. A vítima, a propósito dos acontecimentos, disse, em sede judicial, que estava sentado em uma cadeira de praia, que utilizou em sua defesa e que, conseguindo se desvencilhar do acusado, fugindo em seguida(fls.167). É dizer: em face da ação do acusado, a vítima não ficou no local aguardando o resultado, daí podendo-se afirmar, de logo,que o crime não se consumou por circunstâncias alheais à vontade do acusado.
9. É verdade que a vítima, no mesmo depoimento, afirma ter o acusado cessado a agressão, depois de lesioná-la, fato que, a meu sentir, não afasta a finalidade dos golpes desferidos, pois que há nos autos informações de que a sua ação foi abortada, também, em face da reação de uma multidão, como se verá, oportunamente.
10. O acusado, instado em juízo a falar acerca do ocorrido, disse que não tinha a intenção de matar a vítima, tanto que não produziu na vítima nenhuma lesão que pudesse lhe colocar em risco a vida(fls.59).
11. É verdade, sim, que a vítima não foi atingida, mortalmente, por nenhum dos golpes desferidos pelo acusado, tanto que, no mesmo dia, saiu do hospital.
11.1 Ocorre que não é o resultado da ação do acusado que faz configurar, tipificar, enfim, o seu animus, a finalidade de sua ação, mas o que o motivou, pois que é possível que alguém descarregue uma arma contra outra pessoa, sem alcançar o seu objetivo, o que, entrementes, não deixa de configurar o animus necandi.
12. Como suso mencionado, o acusado só não alcançou o seu desiderato, porque a vítima defendeu-se com uma cadeira de praia, como se colhe do depoimento antes transcrito.
13. Convenhamos, ninguém se arma de facão e tenta desferir golpes em o desafeto, inclusive no pescoço, sem que tivesse a motivá-lo o desejo de matar. Ainda que se argumente que o acusado, ao armar-se com um facão e golpear a vítima na tivesse o desejo de matá-la, ter-se-ia que admitir, a meu sentir, assumiu o risco de produzir o resultado letal.
14. Anoto, pelo prazer de argumentar, que não é, definitivamente, a sede da lesão que evidencia a vontade de matar, mas, sim, a prática de atos inequívocos nesse sentido, os quais demonstrem , quantum sufficit, que o autor do fato queria o resultado um resultado mais grave do que o obtido.
15. In casu, o acusado, armado de facão, tentou, iniludivelmente, matar a vítima, que, tendo uma cadeira ao seu alcance, com ela se defendeu, impedindo, assim, que, ad exempli, os golpes efetuados, um dos quais no pescoço, lhe atingissem fatalmente.
16. Ninguém, em sã consciência, pode crer que quem desfere, com violência, golpes de facão contra outrem, não o faça com a clara intenção de alcançar o resultado letal.
17. Chamo a atenção para o resultado do exame de corpo de delito realizado na vítima, no qual está consignado, verbis:
“deu entrada neste hospital em 17.07.97, conforme registro geral nº 122.295/97, apresentando lesão extensa em região cervical anterior lateral(E); hemorragia moderada; sendo submetido à cervicotomia, reconstrução cirúrgica de múltiplas lesões na mão…”(fls.25v.).
18. O exame complementar de fls. 41, de seu lado, consigna, verbis:
“Refere dor na musculatura da região cervical e dificuldade para flexionar e movimentos laterais do pescoço. Ao exame físico apresenta: cicatriz hipertrófica em forma de “V” invertido, com edema circunvizinho; tem dificuldade para flexionar o pescoço; não conseque fazer o movimento de lateralização do pescoço para direita”(fls.41).
18.1 Os peritos, alfim, concluíram:
“…que José Ribamar Ferrira Júnor não se encontra completamente curado das lesões sofridas,necessitando de tratamento especializado em fisioterapia”(ibidem).
19. Os dados acima, extraídos da prova material, fazem concluir que a vítima, efetivamente, foi lesionada com gravidade, daí ratificando o entendimento de que o acusado pretendia, sim o resultado maior do que o alcançado.
20. O acusado, mediante atuação agressiva, demonstrou, inequivocamente, o animus vulnerandi, pouco importando, repito, que a vítima, não tenha sido atingida letalmente.
21. A testemunha José João Coelho, que correu do local da ocorrência quando o acusado chegou armado, disse ter visto, à distância, quando o acusado agrediu a golpes de facão a vítima(fls.68), ratificando, à evidência, o resultado da prova pericial.
22. É verdade que a vítima, repito, não foi atingida mortalmente. O só fato, no entanto, de o acusado ter desferido em sua direção vários golpes de facão, já evidencia que pretendia um resultado diferente do que efetivamente alcançou.
23. A testemunha João de Jesus Pereira, também em sede judicial, disse que o acusado chegou ao local da ocorrência, “ sempre com uma das mãos para trás como se estivesse escondendo alguma coisa”(fls.69).
24. Entendo que se o acusado pretendesse tão somente, lesionar a vítima, não teria escondido a arma do crime, dissimulando a sua verdadeira intenção.
25. Sublinho, a bem da verdade, que o acusado, depois de alguns golpes desferidos contra a vítima, cessou a agressão, como ressai dos depoimentos de João de Jesus Pereira(fls.69) e de Vera Lúcia Alves dos Santos(fls.110).
26. O fato de ter cessado a agressão, a meu sentir, não entremostra, per si, a exclusão da tipicidade da tentativa, pois que o acusado só desistiu da prática de atos executórios em razão de uma multidão ter corrido em seu encalço, como entremostra o depoimento da testemunha Maria Vera Lúcia Alves Santos(fls.110).
27. Os Tribunais, ante situações que tais, têm proclamado, reiteradas vezes, que “para configuração da desistência voluntária é necessário que o agente não tenha sido coagido, moral ou materialmente, à interrupção do iter criminis”(RJDTACRIM 5/89).
27.1 O Tribunal de Alçada Criminal, de seu lado, já proclamou que “ o que estrema o ‘conatus’ da desistência voluntária é o fato de que,naquele o agente, embora desejando atingir a meta visada, não o pode fazer por circunstâncias alheais à sua vontade, ao passo que, nesta, embora podendo dar continuidade à ação delituoso, não mais o deseja”(RJDTACRIM 24/218).
28. A desistência voluntária, sabe-se, é causa de exclusão da tentativa, mas somente se configura se a renúncia ao resultado da ação criminosa decorre de circunstâncias internas à pessoa do agente, como o medo, a piedade, o receio da punição, o remorso, o que, definitivamente, não se verificou em o caso sob retina. In casu, essas chamadas circunstâncias internas não se apresentam com a nitidez necessária a configurar a desistência voluntária. Se o agente não demonstrou, objetivamente, que tinha sua vontade dirigida para abandonar a execução do homicídio e se a teve, efetivamente, tolhida em face da ação de terceiros, não há falar-se em desistência, devendo, por isso, ser pronunciado.
29. Admitindo-se, sob outra perspectiva, que as provas dos autos não tipificam, com clareza, a desistência voluntária, ou a não execução do ilícito por circunstância alheais à vontade do acusado, ainda assim, em face da parêmia do in dúbio pro socittate, tem-se que admitir a acusação, pra que seja matéria rediscutida em sua sede constitucional, que é o Tribunal do Júri Popular.
30. À vista do exposto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, pronunciar o acusado C. D. N., antes qualificado, por incidência comportamental no artigo 121, c/c o artigo 14, II, do Código Penal, para que seja submetido a julgamento perante o E. Tribunal do Júri, o fazendo porque provadas a autoria e a materialidade delitiva, pressupostos legais para admissibilidade da acusação, ex vi do artigo 408 do CPP.
P.R.I.
Intime-se o acusado, pessoalmente, desta decisão.
Preclusa a via de impugnação, encaminhem-se os autos à distribuição, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.
São Luís, 18 de agosto de 2003.
José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz da 7ª Vara Criminal
Excelentíssimo Sr. Juiz,
Tenho uma dúvida. O que ocorre nos casos em que o Ministerio Publico deixa de fazer as alegações finais Art 500 CPP?
Desde já agradece
Susanne Christine