A nossa manifesta inoperância

Tem acontecido, com regular freqüência, de sermos compelidos a restabelecer a liberdade de determinado acusado que, aos nossos olhos, deveriam ser mantidos segregados, em homenagem à ordem pública. E por que isso acontece? Acontece porque a máquina judiciária, emperrada, não consegue atender, a tempo e hora, as demandas judiciais.

 

 

Assim é que tem ocorrido de, não raro, excederem-se, além do razoável, o tempo de prisão provisória. No dia de ontem, por exemplo, nos deparamos com uma situação abusiva, que só se justifica por se tratar de um meliante pobre. O acusado, nessa situação abusiva que flagramos, está preso, provisoriamente, pasmem!, há um ano e oito meses.
Essa situação, sinceramente, me causa repugnância, sobretudo por compreender que ela só se protaiu no tempo porque se trata de um réu miserável, como de resto miserável é a clientela do Direito Penal.
Todos sabem que não faço concessões a meliantes. Contudo, é bem de ver-se, o excesso de rigor no tratar com os acusados violentos e/ou recalcitrantes, não significa compactuar com o desrespeito às suas franquias legais. Nenhum magistrado, por mais rigoroso que seja, pode emprestar a sua colaboração para que se afronte os direitos dos acusados, dentre os quais avulta de importância o de ser julgado, estando preso, em tempo razoável. Fora disso, tudo o mais é arbitrariedade, com a qual não podemos concordar.
No despacho a seguir transcrito, concluído hoje pela manhã, um sábado, por volta das 7:30 horas, reparo uma injustiça que o Estado cometeu contra o acusado, decorrência de nossa impossibilidade de solucionar as demandas a tempo e hora, como prescreve a Carta Política em vigor.
Leia, pois, a seguir, o despacho em que relaxo a prisão de um acusado, preso além do tempo razoável – bem além, registre-se – sob os olhos inertes da Defensoria Pública, do Ministério Público e do próprio magistrado – magistrado que pode alegar, para minimizar a sua omissão, o excesso de trabalho.

Processo nº 158782002

Ação Penal Pública
Acusado: F. H. S. N.
Vítima: Gerusa Lourdes Chaves Alves

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra F. E. N., por incidência comportamental no artigo 155, §4º, IV,do CP.

A pena preconizada, in abstracto, para o crime em comento vai de 02(dois) a 08(oito) anos de reclusão.

O acusado, na hipótese de vir a ser condenado, receberia, em tese, uma pena não superior a quatro anos, em face de seus antecedentes criminais, circunstância judicial que autoriza a majoração da resposta penal.
O acusado, ademais, também em face da circunstância judicial acima referida, deverá, se condenado for, cumprir a pena privativa de liberdade, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi do artigo 33, letra c, do Digesto Penal. Cumprido 1/6 da pena privativa de liberdade, ex vi legis, o acusado faz jus à progressão do regime, ou seja, migrará do regime semi-aberto para o regime aberto.
O acusado está preso há 1(um) ano e 08(oito) meses, sem uma condenação definitiva. Significa dizer que, antes mesmo de ser condenado, o acusado já cumpriu, além da conta, em regime fechado, quase da metade da pena que, em tese, venha a ele ser infligida.
O acusado, é verdade, não tem bons antecedentes e é um recalcitrante, contumaz agressor da ordem pública, razão pela qual recebeu duas condenações anteriores(cf.fls 114).
Conquanto detentor de péssimos antecedentes e má conduta social, a considerar a certidão da secretaria de distribuição acostada aos autos, não devo emprestar a minha aquiescência com a situação de ultraje à ordem jurídica que se verifica.
Devo dizer, ainda que saiba tratar-se de lugar comum, que nenhum juiz garantista pode ser omisso diante de uma lesão a direito de um acusado, máxime quando o acusado está encarcerado em face de decisão de sua lavra.
Ante o exposto, ainda que contrafeito por ser compelido a restabelecer o status libertatis de um acusado que já demonstrou não ter nenhum compromisso com a ordem pública, hei por bem relaxar a prisão de FÁBIO ELDO NOGUEIRA,para que, em liberdade, aguarde a entrega do provimento judicial.
Expeça-se, pois, o necessário alvará de soltura, para imediata soltura do acusado, se por outra razão não se encontrar preso.
Após e restando, ademais, superada a fase de diligências (artigo 499, do CPP), dê vista às partes, primeiro ao MINISTÉRIO PÚBLICO e, em seguida, à Defesa, para ofertarem as alegações finais, ex vi do artgio 500, do Digesto de Processo Penal.
Com as alegações finais, voltem os autos conclusos, para entrega do provimento judicial.  

São Luís, 04 de dezembro de 2006

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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