O novo álibi dos meliantes

Pela segunda vez um acusado de crime de roubo se defende alegando que, em verdade, fez sexo com o ofendido e ele se recusou a pagar a “conta”, razão pela qual teria se apossado, na marra, da importância que ele trazia consigo.

Pode ser, ou não, verdade, em determinado casos, o que alegam os acusados.

Convenhamos que, se a moda pega, no futuro nenhuma vítima vai querer denunciar o autor de um assalto, máxime aqueles que ocorrem em lugares ermo, porque, no mínimo, dúvida acerca de sua masculinidade fica no ar.
O último acusado que ouvi e que apresentou esse álibi me pareceu, nada obstante, estar falando a verdade. Tanto que, ao depois, o coloquei em liberdade.
Veja, abaixo, o despacho em comento, concessivo da liberdade provisória do acusado.

Processo nº 218252006
Ação Penal Pública
Acusado: S.s.s.
Vítima: R.f.s

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que o MINISTÉRIO PÚBLICO contra S. S. S, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, do CP.

O acusado, por intermédio da sua procuradora, pediu a LIBERDADE PROVISÓRIA do acusado(fls.42/44), pleito reiterado às fls.117/119.
O MINISTÉRIO PÚBLICO opinou pelo deferimento do pleito(fls. 150/151).
Vieram-me os autos conclusos para deliberar.
Todos sabem – os que militam nesta vara principalmente – que, de regra, não concedo LIBERDADE PROVISÓRIA a quem se imputa a prática de crime violento contra a pessoa – assalto, entre eles.
Nada obstante, há que se compreender que cada caso tem as suas peculiaridades, as quais não podem ser olvidadas, sob pena de o magistrado incorrer no grave equívoco de pré-julgar as questões que são postas à sua intelecção.
Força é convir que, em face desse meu entendimento, muitos são os que imaginam – equivocadamente, registre-se – que qualquer pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA, estando o postulante sob a acusação de roubo, ad exempli, está indeferido de plano.
Nesta vara, para desmentir os que assim pensam, para desmistificar o juízo que fazem de mim, incontáveis foram os pedidos de LIBERDADE PROVISÓRIA de roubadores que concedi. Mas o faço, como tudo que faço, com critério – perscrutando, analisando, perquirindo, refletindo, etc.
Essa linha introdutoria que faço se impõe em face do pleito sub examine. É que ao postulante se imputa a prática de roubo duplamente qualificado, a exigir acurado exame do pleito, com sói ocorrer, antes de uma decisão, que não será, necessariamente, de indeferimento.
Pois bem, com essas digressões passo ao exame do pleito.
O acusado, disse acima, postulou a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, alegando, dentre outras coisas ser primário e possuidor de bons antecedentes.
Ao acusado, reafirmo, o MINISTÉRIO PÚBLICO imputa a prática de roubo duplamente qualificado, por fato que teria ocorrido no dia 27 de agosto do corrente, na Ponta D’areia, por volta das 20:30 horas.
O pleito sub examine foi formulado nos autos de uma ação penal que, a meu sentir e prima facie, tem algumas peculiaridades que não podem ser deslembradas.
Com efeito, o postulante, tanto por ocasião de sua prisão em flagrante, quanto em sede judicial, apresentou a mesma versão para o fato – tanto ele quanto o menor adolescente que o acompanhava.
O depoimento do acusado, por isso, em face dessa coerência, não pode ser refutado, ainda que se lhe impute a prática de crime grave, a exigir resposta estatal na mesma proporção.
Custo a crer, sinceramente, que um jovem como o acusado, sem nenhuma experiência com o mundo do crime, imaturo para as coisas da vida, tenha a capacidade de maquinar uma linha de defesa que se mostra tão coerente.
À conta dos depoimentos do acusado – em sedes administrativa e judicial – e do adolescente que o acompanhava no dia do crime, é improvável que o álibi apresentado seja obra de ficção.
É curial que ainda é cedo e temerário incursionar-se na matéria de fundo. Mas não é cedo, devo dizer, para reparar a prisão do acusado, conquanto a ele se impute a prática de crime de especial gravidade.
À razão do exposto, entendo não deva manter o acusado preso, pois que, ademais, a mim não me pareceu se tratar de pessoa perigosa, a justificar, de efeito, a mantença de sua prisão ante tempus.
É claro que todos nós – eu, a representante do Ministério Público e a advogada do acusado, dentre outros – podemos ter sido levados pela esperteza do acusado. Pode ocorrer, sim, de, alfim, se concluir pela culpa do acusado, máxime porque estamos diante de um crime clandestino, cuja testemunha por excelência é o próprio ofendido.
Nada obstante o exposto, não posso e não devo manter a prisão do acusado, pois, para mim, é muito melhor errar ao colocá-lo em liberdade – que, afinal, de lege lata, é a regra e é o que se espera de juiz garantista– que errar por manê-lo preso, na flor da idade, “depositado” em uma cela imunda, fétida e degradante.
Com essas considerações, concedo ao acusado a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, o fazendo com espeque no parágrafo único do artigo 310, do Digesto de Processo Penal, mediante compromisso.
Expeça-se, pois, o necessário alvará de soltura para que seja o acusado colocado em liberdade, imediatamente, se por oiutra razão não se encontrar preso.
Tome-se-lhe por termo o compromisso.
Depois de cumprido o alvará de soltura, voltem os autos conclusos, para designação de audiência para oitiva da testemunha LUCÍLIO JOSÉ MENDONÇA SILVA.São Luís, 28 de novembro de 2006.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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