Os críticos do ativismo judicial se valem sempre do mesmo argumento: os juízes não são eleitos, portanto não têm origem democrática, e, sem o batismo das urnas. não deveriam ter o poder de invalidar normas aprovadas pelos representantes do povo, estes sim democraticamente eleitos.
Essa crítica merece algumas reflexões.
Primeiro, é de rigor que se diga que só há ativismo em face da inércia dos chamados representantes do povo. Se os proclamados representantes do povo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores ) cumprissem a sua obrigação, não haveria espaço para o ativismo judicial, que, no caso brasileiro, é de rigor que se reconheça, tem servido bem ao país. É dizer: o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem servido melhorar ao país, resolvendo questões morais absolutamente controvertidas, que os nossos representantes legais, que, ao que parece, não têm compromisso com o interesse público.
A segunda questão que se deve levar em linha de consideração, quando se fala em ativismo judicial, para enfrentar os argumentos dos críticos desse modo de ser do Poder Judiciário, é que as eleições no Brasil não são assim tão democráticas quanto se quer fazer crer, daí que é uma falácia argumentar-se que os nossos representantes são democraticamente eleitos.
Na verdade, pelo menos nos rincões mais pobres do nosso país, as eleições são decididas mesmo é na base do dinheiro, da compra de votos, enfim, à luz do aforismo “quem pode mais chora menos”.
Ou não é assim?
Ninguém que tenha o mínimo de lucidez pode afirmar que os nossos pleitos são democráticos. Têm, sim, a aparência de democráticos. Mas só na aparência. Falta-nos muito ainda para se falar em pleitos democráticos no Brasil, sobretudo nas áreas mais miseráveis, onde grassa a compra de votos.
O que se vê aqui no Maranhão, desde sempre, é o estado ser loteado entre os donos do poder, cujos acólitos recebem milhares de votos na área que lhe foi destinada, sem sequer sair de casa – tudo na base do quem pode leva, “quem pode, pode, quem não pode se sacode”.
Há, é verdade, alguns poucos, raros candidatos que se elegem apenas pela força dos seus argumentos e em face da arregimentação de pessoas em torno do seu nome, confiantes nas suas propostas. Mas isso ocorre em áreas restritas, onde o nível de escolaridade e a distribuição de rendas não são uma falácia. Isso não é regra, e não é possível argumentar em face das exceções.
Diante desse quadro, de absoluta degradação, nada mais racional que ver o Poder Judiciário abrir espaço para realizar, pelo menos nas questões morais mais relevantes, o que os nossos representantes, “eleitos democraticamente”, não são capazes de fazer, mesmo porque, quando a eleição se dá na base do “toma-lá-dá-cá”, não há compromisso assumido, verdadeiramente.
A verdade, a mais cristalina verdade, é que os nossos representantes, depois de “eleitos”, cuidam da sua própria vida, mesmo porque os compromissos que “assumiram” não foram com o povo, mas sim com os seus próprios interesses e com os interesses dos amigos que lhes financiaram a campanha, afinal ninguém abre o cofre a candidatos em troca apenas das suas ideias e dos seus ideais.
Basta olhar em volta e ver.
Diante desse quadro, tenho que o argumento acerca das dificuldades contramajoritárias perde consistência, na medida em que o Poder Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, em várias questões de interesse nacional, tem feito muito mais pelo pais que os nossos congressistas, que, todos sabem, não têm coragem de assumir posição em face de questões morais relevantes, com receio de não ser bem interpretados pelos que ainda têm lucidez para refletir acerca das questões de interesse público.
Diante da inércia dos nossos “legítimos representantes,democraticamente eleitos”, o juiz do terceiro milênio deve estar preparado para enfrentar grandes desafios; mas só o fará com dignidade se tiver consciência de que não está a serviços de grupos ou de amigos, pois que, se não for assim, ele cada dia mais se parecerá com os nossos “legítimos representes”, “eleitos democraticamente”, quando então se constatará que não há mesmo mais salvação.