Eu não faria tudo outra vez

Já ouvi de muitas pessoas a afirmação que encima estas reflexões. Para mim, quem faz esse tipo de afirmação se imagina acima do bem e do mal. É daquele tipo que acha que só os outros erram. Na concepção (equivocada) desse tipo, só os outros têm mau cheiro, só o vizinho precisa corrigir a sua direção, só o inimigo tem defeitos – e só ele é belo, e a verdade só é companheira dele.

O mundo todo está errado na concepção desse tipo; e só ele, claro, está correto. Só as suas ações são dignas de elogio. O seu espelho só reflete o super-homem que ele pensa que é; um ser superior, a quase perfeição.

Confesso que quando ouço alguém dizer que faria tudo outra vez ou que não se arrepende de nada que fez, fico achando que nasci, cresci – e vivo – num mundo muito, muito diferente e que, dos homens, estou entre os mais falíveis, entre os que mais erram, os que mais tropeçam, pois muitas das minhas ações do passado, muitas coisas que fiz, eu não as faria outra vez – nem sob tortura.

Para mim – cá com os meus botões, cá com as minhas imperfeições, com a minha assumida falibilidade – é uma arrogância, uma prepotência sem par, concluir que, diante da mesma situação – ou se pudesse voltar no tempo – faria tudo exatamente como fizera antes, ainda que tenha tropeçado, que tenha sucumbido, que tenha dado com a cara na parede. Quem pensa e age assim se imagina muito próximo da perfeição, da infalibilidade. Todavia, não passa de um tolo, de um bem acabado imbecil, pois que, tendo a oportunidade de aprender, não o fez, preferindo, ao reverso, continuar trilhando pelo mesmo caminho, navegando nas mesmas águas turvas nas quais soçobrou.

Diferente dos que pensam – e agem – assim, eu já me arrependi, incontáveis vezes, de muitas coisas que fiz e, até, das que deixei de fazer. Confesso, com humildade, que não faria tudo outra vez. Admito, hoje, mais maduro, ter cometido muitos erros que não mais cometeria, em face da experiência que acumulei ao longo dos anos.

Como eu gostaria de poder voltar no tempo! Se a mim me fossem dadas as mesmas oportunidades que tive e que perdi, trilharia noutra direção, noutro rumo, noutro sentido.

Se eu pudesse voltar no tempo, moldaria a minha personalidade para, jamais, sob qualquer pretexto, abrir mão das horas de lazer que me furtei para trabalhar. É preciso saber fazer concessões. E isso eu, aos cinqüenta e nove anos, ainda não aprendi e continuo me imolando com o trabalho.

Se pudesse voltar no tempo para traçar o meu rumo, a minha vereda, o meu norte, o caminho a seguir, jamais confiaria nalgumas pessoas em quem confiei e que – hoje sei que era inevitável – me traíram.

Se eu pudesse voltar no tempo, seria mais tolerante com quem não cumpre horário, visto que sempre desprezei – e ainda desprezo – o profissional que não cumpre horário. Muito da minha fama de arrogante decorre dessa minha intolerância com o profissional que descuida da hora aprazada, que não honra a palavra assumida, que não se esmera no trabalho.

Se pudesse voltar no tempo, seria menos responsável, investiria mais em mim e menos no trabalho. Se eu pudesse fazer retroceder o tempo, eu jamais teria me envolvido emocionalmente com algumas pessoas que, só depois, me dei conta de que não mereciam de mim nada mais que desprezo. Se pudesse voltar no tempo, eu veria um pouco mais o pôr do sol, teria chegado um pouco mais tarde em casa, determinava, com destemor, os rumos do meu coração, não sentiria tanta saudade.

Se eu pudesse voltar no tempo, não passaria as noites insones que passei enfrentando apenas a criminalidade miúda, enquanto que os colarinhos engomados seguiram saqueando os cofres públicos.

Se eu pudesse voltar no tempo, jamais me afastaria de algumas pessoas que amo e das quais me afastei, burramente, por causa do trabalho.

Definitivamente, se eu pudesse voltar no tempo, não faria tudo outra vez.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Eu não faria tudo outra vez”

  1. Ilustre desembargador,
    Imagino que seria mágico poder voltar no tempo e mudar o curso de nossas escolhas,.
    Eu, particularmente, ouso discordar porque somos o resultado de nossas escolhas.. Nossos erros, nossos acertos nos levaram ao que somos.
    Sendo assim preferia não voltar, “não me parece boa coisa nem mesmo para reviver as boas coisas que ficaram para trás.”
    Parabéns pelo blog!

  2. Meristíssimo,

    voltar no tempo infelizmente é impossível, mas o agora e futuro podem ser diferentes.

    Parabéns, suas reflexões são inspiradoras.

    Respeitosamente,

    Sergio H Batista
    Técnico Judiciário
    TRF 1º Região

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