Não há missão mais difícil do que a de julgar o semelhante. Quem julga um parecente não pode, por exemplo, estar mutilado emocionalmente. Para julgar – e julgar bem! – , o magistrado tem que estar em paz, tem que estar de bem com a vida; magistrado enfezado, mal-humorado, com ódio do mundo, em conflito com os valores morais, de conduta pessoal reprovável e com a mente em desarmonia, não pode julgar o seu semelhante; não tem condições emocionais de dizer o direito, de decidir uma demanda, por mais simples que seja, pois que, para esse fim, exige-se dele, magistrado, além do conhecimento, discernimento, tirocínio, equilíbrio e sensatez, que lhes falta nessas circunstâncias.
É por isso que digo que para ser um bom magistrado não basta passar num concurso público; não basta ostentar títulos, ter um curriculum invejável. É preciso, além do estofo intelectual e moral, ser uma pessoa equilibrada, sensata, ponderada, de fino trato, respeitosa, cordial; tem que, ademais, ser do tipo que confia nas instituições, que tem as suas ações, mesmo as pessoais, resolvidas civilizadamente, sem se valer de expedientes escusos.
Para julgar um igual, repito, sem temer pela exaustão, é preciso estar em paz consigo mesmo, ter convicção nas coisas que faz, e, sobretudo, tem que ter introjetado dentro de si o sentimento do justo, do que seja equidade, e, principalmente, tem que ter em mira que as partes envolvidas no conflito são sujeitos de direito e que, apesar de eventual sucumbência, em face do direito material deduzido, ou mesmo que venha a ser condenado em face de uma imputação criminal, não perde a sua dignidade, valor-guia que deve nortear as ações das instâncias persecutórias.
Na Antiguidade – como, infelizmente, nos dias atuais – a dignidade das pessoas era medida pela sua posição social. É dizer, em face desse visão deformada, a sociedade, infelizmente, é composta, para o bem e para o mal, de pessoas mais ou menos dignas, o que é uma grave distorção.
A dignidade, tenho dito, em votos e em várias crônicas, não pode ser sequer renunciada, quando mais alienada, razão pela qual não se pode nem mesmo em pretensão de reconhecimento da dignidade de uma pessoa, pois que se trata de um atributo que lhe é inerente, que decorre de sua própria condição de ser humano.
Toda pessoa tem uma dignidade que lhe é inerente que, para ser reconhecida, não depende de nenhuma critério; a única condição é que se trate de ser humano. É por isso que todos os tratados internacionais, ainda que o seja à luz do positivismo jurídico, incorporam o valor dignidade da pessoa humana.
Nessa linha de pensar, consigno que a dignidade da pessoa não é um patrimônio individual, mas sobretudo um patrimônio social que deve ser preservado, que deve ser protegido pelo Estado, daí por que nenhuma autoridade, nem mesmo o magistrado, tem o direito de abespinhar o cidadão, malferindo-lhe a dignidade.
A dignidade, tenho dito sistematicamente, é valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, gozando, por isso mesmo, de inegável primazia na nossa arquitetura constitucional.
É de Guilherme de Souza Nucci o escólio: “nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade da pessoa, base sobre a qual todos os direitos e garantias individuais são erguidos e sustentados” ( Manual de Direito Penal Geral e Especial, p. 84, 7ª edição)