Os primeiros meses que vivi no Tribunal de Justiça foram os mais difíceis da minha vida profissional. Passei muitos momentos de aflição. Era tudo novo, tudo compartido, tudo fragmentado. Além do mais, cercado de pessoas que pensavam diferente de mim, sem perder de vista que cheguei precedido de uma má fama, criada por desafetos gratuitos, por pura maldade. Deparei-me, ademais, em meio a tantas outras diferenças, com julgadores dos mais variados matizes: uns conservadores, outros, liberais; alguns mais e outros menos radicias; uns histriônicos, outros, mais contidos; uns tímidos, outros, sem receio da exposição. Tudo muito complicado para uma pessoa da minha personalidade, reflexiva por natureza. Peguei-me, nesse sentido, por diversas vezes, absorto, analisando o colega, tentando traçar o seu perfil como julgador. Daí que fui compreendendo e etiquetando aqueles que entendi mais ou menos positivista, por exemplo. Identifiquei, noutro giro, aqueles cujo pensamento mais se aproximava da minha visão de mundo, com os quais, claro, fui acomodando a minha mente.
Vivi, em face dessas e doutras constatações, momento de intensa ebulição mental; desejei, muito, ter tempo para me aposentar, deixar o proscênio, partir para outras atividades: escrever, ensinar, fazer programa de radio ( minha verdadeira paixão), cuidar de mim e da minha família. Mas, por não ter tempo, tive que perseverar. Hoje, passados três anos, estou mais assentado, mais ajustado com o meio, razão pela qual posso dizer que estou feliz, porque estou em paz e tranquilo em relação a muitas das questões que me afligiram.
Com o passar dos dias claro, fui me adaptando, fui participando mais intensamente dos debates, fui me enturmando, perdendo o receio de que, por ter assumido o desembargo precedido de má fama, pudessem me tratar com indiferença. Hoje posso dizer que já vou para as sessões de julgamento em paz, com tranquilidade, por isso, nos dias presentes, estou, sim, mais leve e mais solto, disposto a seguir adiante, dando a minha contribuição aos julgamentos, fazendo a minha parte, perseverando nos meus argumentos, defendendo as minhas teses, expondo, com coragem e sem receio, as minhas posições acerca dos temas mais polêmicos, sempre com o necessário equilíbrio e, fundamentalmente, respeitando os que pensam diferente de mim, como tem ocorrido nas Câmaras Criminais Reunidas, onde, em face de alguns temas, tenho permanecido praticamente isolado.
Envolto nos últimos meses com o estudo da filosofia, anoto, com Epicuro ( 341-270 a.C.), que a paz e a tranquilidade que tenho hoje sedimentadas em mim, são a razão maior da minha felicidade, sob o ponto de vista profissional, vez que, na minha vida pessoal, eu nunca deixei de ser feliz.
Agora, alcançando esse nível de tranquilidade, sinto-me em condições de seguir adiante. Vou até não sei quando. Quando eu tiver tempo de me aposentar, conversarei com a minha família para tomar uma decisão. Se tiver com que empregar o meu tempo, sendo útil à sociedade em outra atividade, acho que o caminho será a aposentadoria, inexoravelmente.
Mas, como Heráclito ( viveu por volta de 500 a.C), vou deixar fluir, vou seguindo a onda, vou construindo o que posso construir, na certeza de que não deixarei nenhum retrato na galeria dos imortais, mas vou deixar a minha história construída e sedimentada com base na dignidade e no destemor com que sempre emoldurei as minhas posições.
Desembargador, não sabia que o Senhor já havia feito programas de rádio… Já pensou em gravar podcasts com as crônicas do seu Blog? Seria mais uma opção para mim, usuário dessa tecnologia, principalmente nas viagens semanais para a Comarca.
Abraço fraterno.
Marcelo Moreira