Muitas vezes, complicamos as coisas mais simples; nos agastamos, em demasia, por questões banais, deixando de valorizar o que devia ter sido valorizado. Não valorizamos, para, depois, nos arrepender. Mas aí já pode ser muito tarde.
É por isso que valorizo as coisas mais simples que acontecem na minha vida. Deixo de participar de qualquer festa, de qualquer solenidade, para bater um bom papo com os amigos; jogar conversa fora, como se diz. Se possível, regada a Whisky ( que bebo moderadamente), que também não precisa ser muito sofisticado. As coisas muito sofisticadas não tem sabor natural; parece artificial.
Viver bem, para mim, é isso: ver em cada momento alguma coisa para ser comemorada. É por isso que não sou de fazer comemorações em datas específicas. Eu vivo em festa. Minha vida é uma tertúlia sem fim. Mas, registro, vivo curtindo as coisas mais simples: uma boa leitura, um bom livro, um belo filme, uma roda de amigos etc
Um detalhe: como os amigos de conversas são todos sexagenários, é bom consignar que as nossas conversas giram sempre em torno dos mesmos temas. Nós vivemos nos repetindo. Há de nós que já contou a mesma história umas duzentas vezes. Mas mesmo assim ainda nos divertimos, achamos graça – em face das mesmas histórias, com os mesmos personagens.
A verdade é que da vida só queremos os prazeres, a bonança, a folgança e a patuscada. Problema, por menor que seja, nós tendemos superdimensionar, muitas vezes só para nos infelicitar, para nos sentirmos vítimas; a infelicidade, assim, pode estar dentro de nós mesmos.
A felicidade – belo clichê – pode estar nas coisas mais simples. Aliás, para mim, a felicidade está sempre nas coisas mais simples; certamente porque não sou nada sofisticado.
Ainda recentemente, tendo acordado pelos cinco horas da manhã, como faço habitualmente, detive-me a pensar numa coisa simples que a vida urbana nos roubou: o canto dos galos ao amanhecer; nunca mais ouvi o galo cantar ao amanhecer. O galo, para quem não sabe, era o despertador do sertanejo; tanto que, se algum deles, inexplicavelmente, cantasse a destempo, cuidava-se logo de antecipar a cabidela do domingo, com muitas horas de fogo para amolecer a vítima.
Mas eu dizia que vivemos das coisas mais simples. Eu gosto das coisas simples. O sofisticado, o muito formal me incomoda.
E, registro, não sou diferente de muitos. As coisas simples fascinam a mim e a muitos como eu.
A propósito, o personagem principal de o Último Dia de Um Condenado, de Victor Hugo, aguardando a execução da pena ( de morte, registro), num determinado momento de solidão, de absoluta introspecção em face de sua situação, fez o seguinte desabafo:
“O cheiro abafado da prisão sufoca-me mais do que nunca e aos meus ouvidos ressoava ainda o ruído das correntes dos forçados. Achava-me cansado de estar em Bicêtre. Parecia-me que Deus deveria ter piedade de mim e enviar-me ao menos um passarinho para chilrear na minha frente, pousado à beira do telhado”
Fico pensando: quantos de nós deixamos de atentar para o canto dos pássaros; algo tão simples mas que só nos damos conta da sua relevância quando somos privados desse presente da natureza.
É provável que o personagem de Victor Hugo, tendo tido oportunidade, nunca deu o valor que tem o canto de um pássaro.
De minha parte, quisera poder ter o prazer de acordar, pelo menos mais uma vez, ouvindo o canto de um galo, que tantos vezes me despertou, me oportunizando ir ao curral do vizinho testemunhar a ordenha das vagas e degustar um bom leite mugido.
Privilégio de poucos, sabia?