Em estado de letargia

assaltoTodos já sabem que fui assaltado ontem à tarde, na Lagoa da Jansen, e que o assaltanteo, portando uma faca, me obrigou a entregar a minha bicicleta.

Claro que estou revoltado. Não com o assaltante, mas com o assalto. Não sou do tipo daquele cachorro que, ao invés de morder quem atirou-lhe a pedra, sai em busca desta para morder.

A verdade é que, antes de odiar o assaltante, odeio mesmo o abandono a que somos relegados. Somos um estado sem política de segurança. Estamos todos entregues à sorte. Ontem fui eu; amanhã será você. Todos seremos assaltados um dia, pela singela razão de que não há política de segurança voltada a obstar a ação dos meliantes.

Depois de assaltado, passei mais de meia hora, na companhia de um desconhecido, tentando localizar uma viatura da PM. Não foi possível. Quando eu já tinha desistido de tomar alguma providência, fui abordado por um advogado, o qual, com sua esposa, me levaram à Delegacia do São Francisco para fazer o famigerado B.O.

Lá, registrei a ocorrência. E, quando imaginei que uma viatura sairia à caça do meliante, fui informado que não havia viatura na Delegacia, e que a única que havia estava no conserto.

É isso mesmo! Na delegacia de um dos bairros mais violentos da cidade, não havia uma única viatura.

Mas não foi só esse fato que chamou a minha atenção. Certo momento, um agente me pediu para olhar um arquivo no computador, com a foto dos melaintes que atuam na área, para ver se identificava o autor do assalto.

Fiquei estupefato com a quantidade de meliantes! Acho que tem mais meliante que gente de bem.

Pensei com meus botões: estamos perdidos.

Indaguei do agente, então, onde se encontravam esses meliantes. Ele me respondeu, na bucha, para minha desolação: “Todos soltos, doutor”.

E prosseguiu: “O pior é que todos respondem a processos e todos são recalcitrantes. Mas, ainda assim, estão todos em liberdade”.

A ser verdade essa afirmação, a única conclusão a que chego é que as nossas agências de controle estão em estado de letargia. É preciso acordar para realidade. Vamos reagir! Façam como eu sempre fiz: nunca dei mole para meliante perigoso. Assaltante nunca teve vida mole comigo!. Todos sabem disso!

Nós, juízes criminais, temos que fazer a nossa parte, ainda que nada se espere do Poder Executivo.  Nós não podemos colocar em liberdade réus perigosos e recalcitrantes. A população espera que reajamos. Não pode ficar como está.

Vou reafirmar o que disse no início dessas reflexões, com outro dito popular: não se cura febre quebrando o termômetro. Se é certo que´o meliante que me assaltou merece ser punido, não é menos certo que somente a sua punição e a eventual devolução da minha bicicleta não resolvem o nosso gravíssimo sistema de segurança.

Nós precisamos reagir. Guimarães Rosa dizia que o homem satisfeito dorme. A nossa situação é mais grave porque, mesmo sem estar satisfeitos, parece que estamos todos dormindo em berço esplêndido, enquanto os meliantes, dos mais variados matizes, infernizam a nossa vida.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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