Minhas angústias

Todos temos as nossas angústias. Eu as tenho de sobra, tu tens.  Faz parte da vida. Pretender trafegar pela vida sem se angustiar, é o mesmo que pretender viver no mundo da fantasia. Ninguém pode viver e conviver com o semelhante sem se revoltar, sem se  angustiar e sem inquietação. É próprio da relação entre os iguais essas consequências. Causaria, sim, perplexidade imaginar em sentido contrário.

Apanhando, ao acaso, uma personalidade da história, por todos decantada  e enaltecida pela excelência de sua produção literária, importa consignar, à guisa de ilustração, que Machado de Assis, por exemplo, passou a vida inteira atormentado pelos ataques de epilepsia, pelas suas origens modestas e em face da cor da pele, muito embora tivesse uma inteligência por todos reconhecida como privilegiada. Mas mesmo essa condição privilegiada não o tornou imune às angústias que o atormentavam.

As minhas angústias, comparadas às de Machado de Assis, são quase nada, porque nenhuma delas decorre das minhas limitações pessoais ou intelectuais.

Pessoalmente, portanto, sou muito bem resolvido. Eu não me angustio, por exemplo, com a minha origem humilde. Ao contrário, eu até me ufano delas. Sou portador de doença autoimune, a qual, se a muitos atormenta, com ela tenho uma convivência civilizada e respeitosa.

Se tivesse que declinar alguma angústia decorrente da minha condição de gente diria apenas que gostaria de ser inteligente e ter uma boa memória, pois que, a míngua de uma boa memória, sou obrigado a fazer anotações de quase tudo que leio, sob pena de não mais me recordar, o que decerto prejudicaria a minha produção intelectual; fora isso, nada mais me apoquenta.

Fora as deficiências acima mencionadas, posso dizer que as minhas angústias e inquietações não são pessoais, não decorrem de nada que tenha ligação direta comigo, com a minha formação, com a minha infância, com a minha saúde ou com a minha família.

Tenho sido feliz todos os dias da minha vida. Deito, durmo e acordo feliz. Mas, tenho que admitir, há muitas coisas, fora de mim, que me angustiam, e, conquanto não me infelicitem, me fazem, muitas vezes, soturno, sorumbático, desanimado e quase se esperança.

A má conduta de homens públicos, o uso do poder para fazer maldades, para perseguir, para proteger canalhas, para punir inocentes, a falta de compromisso com a palavra assumida, a falta de pudor e de escrúpulo, os desvios de verbas públicas, o enriquecimento ilícito,  a dissimulação, a falta de pontualidade, a insinceridade, as ações oportunistas, a traição, a pequeneza de caráter, dentre outras coisas, me angustiam a mais não poder.

Como se vê, há, a permear as minhas ações, angústias e inquietações para todos os  gostos, afinal sou igualzinho a todo mundo, e, sendo reflexivo como sou, não posso parar de me angustiar com as situações acima descritas, conquanto, repito, elas não tenham o poder de me infelicitar.

Angustia-me, ademais, testemunhar o sofrimento das pessoas, sobretudo se infligido em face dos desvios de verbas públicas, como ocorre, por exemplo, com a verba destinadas à saúde e a educação.

Como se vê, um homem feliz e realizado também se indigna; é que,  apesar das minhas conquistas pessoais, nunca deixo de me angustiar com o sofrimento infligido ao semelhante, sobretudo se o sofrimento for infligido por quem tem a obrigação de evitá-lo ou minimizá-lo.

Eu sou assim! Fazer o quê?

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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