Estado bandido

Eu gosto de permear meus votos com algumas passagens relevantes da história, da literatura e, especialmente, da filosofia. Não o faço para ofender ou diminuir colegas, mesmo porque sempre parto do princípio que todos são estudiosos e que, como eu, sabem que um magistrado não deve limitar as suas leituras aos códigos; deve, sim, ampliá-las, ler um pouco de tudo, afinal o magistrado é, acima de tudo, um humanista.

Pois bem. Ontem pela manhã, na introdução de um voto, na sessão das Câmaras Criminais Reunidas, onde constatei um erro judiciário, aventurei-me fazer menção, por oportuno, do célebre manifesto de Emile Zola, editado em 1898,  a propósito do erro de julgamento que vitimou  Dreyfuss, sob o título J’acusse – Eu acuso, em português.

Pronto, foi o que bastou para aguçar a ira de um colega, que, deselegante, passou a fazer juízo de valor acerca do meu voto, afirmando, dentre outras coisas, que eram bobagens as minhas reflexões, pois que, para ele, pouco importa o que a história registra, o que pensam os filósofos e o que escrevem os literatos.

Claro que não me surpreendi. Mas fiquei, claro, indignado, sobretudo porque não foi a primeira vez que ele emitiu juízo de valor acerca dos meus votos, ferindo, a toda evidência, o Código de Ética. Mas respondi com elegância.

Para o colega que pensa assim, destaco significante excerto do artigo de Émile Zola no qual, repito, condenou um erro judiciário, que era, afinal, do que se tratava na sessão onde se deu a estranha declaração do colega:

“Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do inocente que paga, na mais horrível das torturas, por um crime que ele não cometeu”.

Lembro ao colega que graças a Emile Zola, o erro judiciário foi reparado.

Emile Zola, certamente, não se alinha aos que são capazes de, sob a toga, afirmar, em plena sessão de julgamento, que bandido deve ser tratado como bandido e que garantismo penal é apenas para as pessoas inocentes.

Definitivamente, eu e Émile Zola não fazemos apologia do Estado bandido. Mas há quem faça!

É uma pena!

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Estado bandido”

  1. Excelentíssimo,
    Saiba que o diferencial sempre incomoda, e Vossa Excelência faz a Diferença, quer seja em seus votos quer seja em suas fundamentações. Por isso, peço que jamais se deixe atingir por tamanha “ignorância” de alguns colegas.
    Parabéns pela forma em que sempre atuou perante Tribunal de Justiça do Maranhão.
    Att. Higino Neto

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