Horrendo espetáculo

É claro que não se deve viver antecipando um sofrimento que não se saber ao certo se ocorrerá, afinal, há, sim, os que, por sorte ou seja lá o que for, passam pela vida e não sofrem.

Mas ninguém sabe o futuro. E é preciso estar preparado – e tentar preparar – para o futuro, afinal o que a gente pode fazer é trabalhar para que, no futuro, não tenha que pagar pelos erros e pelos excessos do presente.

Ainda que não se deva viver a vida antecipando um sofrimento que pode não vir, ainda assim, sem paranoia,  aos 60 anos, tenho me preocupado com o meu futuro, com o que me aguarda quando chegar, definitivamente,  à velhice; falo da velhice incapacitante, que causa dependência.

Tenho, sim, medo da invalidez, da dependência, da dor, do abandono, da solidão, da tristeza que acompanha a velhice.

Tenho medo, sim, de sentir-me só pela ausência dos meus filhos, de ver chegar a hora; a minha hora e a hora das pessoas que amo.

Não deve ser fácil, por isso não me furto de refletir sobre essas questões, porque, pior que refletir, é negar a realidade, como se fôssemos eternos ou feitos de um material  não perecível.

Mas, importa dizer, não sou do tipo obsessivo e nem paranoico. Prefiro admitir que sou realista. Todavia, por ser realista, me cuido. Faço dieta. Faço exercício. Não abuso de bebidas alcoólicas ou de fumo.

Tudo isso, sim, porque espero ter uma velhice saudável, para não ter que sofrer e infligir sofrimento aos meus filhos, que têm o direito de viver a sua vida, de construirem a sua história, de se dedicarem aos seus filhos e às suas conquistas pessoais.

Essas reflexões me ocorreram ao conhecer uma página da História do Brasil, que condiz com a expulsão da família real, depois de proclamada a República.

Uma das passagens que me fizeram refletir condiz com a tentativa de D. Pedro II de, chegando em Portugal, encontrar o romancista Camilo Castelo Branco, por quem tinha uma profunda admiração.

Camilo Castelo Branco vivia  no andar térreo de uma casa em ruínas, no centro da cidade, cego, doente, empobrecido, surdo e sentindo muitas dores.

D.Pedro II, também passando por momentos difíceis, depois de ser expulso de sua terra natal,  mandou perguntar se poderia visitá-lo. O escritor, no entanto, recusou a visita, dizendo que, naquelas condições, preferia não rever o amigo.

Eis excerto da correspondência:

“A visita de Vossa Majestade, na dolorosa situação em que me encontro, seria para os meus cruéis padecimentos uma exacerbação”, para concluir: Além das nevralgias que me forçam a gritar, estou febril, cego e surdo. Não queira Vossa Majestade presenciar esse horrendo espetáculo”.

Mas D. Pedro II insistiu e foi visitar o amigo.

Trecho do diálogo, presenciado por Ana Correia, sobrinha do escritor:

-Meu Camilo, console-se, Há de voltar a ter a vista.

-Meu senhor, a cegueira é a antecâmara da minha sepultura.

-Perdi o trono, estou exilado, e não voltar à pátria é viver penando.

-Resigne-se Vossa Majestade. Tem luz nos seus olhos.

-Sim, meu Camilo, mas falta-me o sol de lá.

PS. Camilo Castelo Branco suicidou-se no primeiro dia de junho de 1890, com um tiro de revólver na têmpora direita.

Fonte: 1889, de Laurentino Gomes

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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