Regime semiaberto praticamente não existe no Brasil
Casas do albergado deveriam ser estabelecimentos destinados ao cumprimento de pena em regime aberto, assim como penitenciárias deveriam ser estabelecimentos destinados ao cumprimento de pena em regime fechado. Na prática, porém, esses estabelecimentos também abrigam detentos condenados ao regime semiaberto.
Pesquisa realizada por Migalhas evidencia que o regime semiaberto descrito no CP está longe de ser realidade em muitos Estados brasileiros. Veja a tabela abaixo.
Em 11 capitais, os apenados ficam reclusos exclusivamente em colônias agrícolas, industriais ou similares (institutos penais ou albergues), conforme prevê o CP e a lei de execução penal (7.210/84). São elas: Rio Branco/AC, Salvador/BA, Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Recife/PE, Teresina/PI, Curitiba/PR, Rio de Janeiro/RJ, Natal/RN, Porto velho/RO, Porto Alegre/RS e Palmas/TO.
Nas demais, a ausência de estabelecimentos prisionais desse tipo ou a falta de vagas nesses lugares fazem com que os detentos cumpram suas penas em penitenciárias comuns, casas do albergado, em prisão domiciliar ou até mesmo livres, com uso de tornozeleira eletrônica ou mediante comprovação de trabalho.
UF |
Capital |
Dorme e passa o dia em colônia agrícola, industrial ou similar |
Trabalha durante o dia e dorme em colônia agrícola, industrial ou similar |
Dorme e passa o dia em penitenciária |
Dorme em penitenciária e sai para trabalhar durante o dia |
Fica em prisão domiciliar |
Fica livre, mas com tornozeleira eletrônica |
Fica livre mediante comprovação de emprego |
AC |
Rio Branco |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
AL |
Maceió |
– |
– |
– |
– |
X |
– |
– |
AM |
Manaus |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
AP |
Macapá |
X |
X |
X |
X |
– |
– |
– |
BA |
Salvador |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
CE |
Fortaleza |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
DF |
Brasília |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
ES |
Vitória* |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
GO |
Goiânia |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
MA |
São Luís |
X |
X |
X |
X |
– |
– |
– |
MG |
Belo Horizonte |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
MS |
Campo Grande |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
MT |
Cuiabá |
– |
– |
– |
– |
– |
– |
X |
PA |
Belém |
X |
X |
X |
X |
X |
– |
– |
PB |
João Pessoa |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
PE |
Recife |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
PI |
Teresina |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
PR |
Curitiba |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
RJ |
Rio de Janeiro |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
RN |
Natal |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
RO |
Porto Velho |
X |
X |
– |
– |
– |
X |
– |
RR |
Boa Vista |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
RS |
Porto Alegre |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
SE |
Aracaju |
X |
X |
– |
– |
X |
– |
– |
SC |
Florianópolis |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
SP |
São Paulo |
– |
– |
X |
X |
– |
– |
– |
TO |
Palmas |
X |
X |
– |
– |
– |
– |
– |
*Dados não informados.
Penitenciárias
Manaus/AM, Fortaleza/CE, Brasília/DF, Belo Horizonte/MG, João Pessoa/PB, Boa Vista/RR, Florianópolis/SC e São Paulo/SP abrigam seus detentos do semiaberto em alas específicas para esse tipo de regime em penitenciárias comuns.
Na capital paulista, os Centros de Ressocialização são unidades mistas para presos em regime fechado e semiaberto de baixa periculosidade e os Centros de Progressão Penitenciárias “amparam” presos em regime semiaberto. A população carcerária do Estado de SP triplicou em 16 anos, alcançando 180 mil detentos em 2011. Isso equivale a 40% da população do sistema penitenciário do país.
Algumas penitenciárias possuem estrutura para que os presos trabalhem intramuros, como o Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II, em Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza, e o Centro de Internamento e Reeducação, no DF.
No caso daquelas que não têm áreas destinadas ao trabalho, os apenados que não trabalham fora acabam cumprindo sua pena em regime fechado, uma vez que o que diferencia o semiaberto do fechado é o “trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar” ou o “trabalho externo” ou ainda a “frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior”, nos termos do CP.
Prisão domiciliar
Em Maceió/AL, Belém/PA e Aracaju/SE, a prisão domiciliar pode substituir o cumprimento da pena em colônia agrícola, industrial ou similar.
No AL, não existe unidade prisional de semiaberto, por isso, os juízes deferem prisão domiciliar aos condenados em semiaberto.
Já na região metropolitana de Belém existe uma colônia agrícola no município de Santa Isabel para os detentos que não trabalham fora. Por sua vez, os apenados que trabalham ou estudam fora se recolhem à noite e nos finais de semana no Centro de Progressão Penitenciária de Belém. Não havendo vagas em ambos os lugares, os juízes tendem a concluir que o sentenciado não pode ser onerado pelo Estado, motivo pelo qual deve cumprir a pena em casa.
Na região metropolitana de Aracaju também existe um estabelecimento prisional em Areia Branca para cumprimento de pena em regime semiaberto, mas o juiz de Direito Helio de Figueiredo Mesquita Neto, da 7ª vara Criminal de Aracaju/SE, interditou parcialmente o local em 30/8/13 devido às condições degradantes a que os presos são submetidos.
“Em ruína, o prédio, a toda evidência, não possui condição sanitária mínima para o acolhimento de seres humanos e por lá são sonegadas dos internos correta assistência material, à saúde, educacional e social“, afirmou o magistrado na decisão. E acrescentou: “nunca identifiquei no estabelecimento penal algo que lhe aproxime de uma colônia agrícola, industrial ou similar“. (Processo: 201220700338)
Tornozeleira e “liberdade”
Apenas Porto Velho/RO “libera” o preso e determina o uso de tornozeleira eletrônica no caso de falta de vagas na colônia agrícola da cidade.
Quanto à possibilidade de o detento ficar livre mediante comprovação de trabalho, essa situação é observada somente em Cuiabá/MT. O apenado tem o prazo de sete dias para conseguir um emprego e, dessa maneira, recolher-se em sua residência para o repouso das 19h às 6h do dia seguinte. Expirado o prazo, o condenado deve se dirigir à casa do albergado, também das 19h às 6h.
Para se recolher em casa no período da noite, o apenado não pode frequentar lugares inapropriados (casa de prostituição, casa de jogos, bocas de fumo ou lugares similares; portar armas, nem brancas (faca, canivete, estilete etc.) nem de fogo (revólver, espingarda, explosivos etc.); ingerir bebida alcoólica ou fazer uso de qualquer espécie de substancia entorpecente; e se ausentar da comarca por mais de três dias sem autorização do juízo da vara de Execução Penal.
O apenado tem a obrigação de comprovar sua ocupação no prazo de 30 dias e comparecer mensalmente no juízo para assinar termo, justificar suas atividades e comprovar o seu endereço.
Violência
“As torturas mais bestiais de que tive notícia não foram praticadas por carcereiros, mas pelos próprios presos contra os que caíram em desgraça, na maioria das vezes por motivos fúteis, vingança ou mera disputa de poder. A perversidade no mundo do crime não conhece limites“. A frase é do médico Drauzio Varella, autor dos livros “Estação Carandiru” e “Carcereiros”. Ele, que foi voluntário na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) por 13 anos e hoje atende na Penitenciária Feminina da Capital, já constatava a violência nos presídios brasileiros desde antes de 2002, quando o Carandiru foi implodido.
Drauzio Varella tem outras frases como “o vírus da violência contamina o ambiente prisional” e “cadeia é um lugar povoado de maldade“, ambas refletindo que o sistema prisional brasileiro é um sistema falido.
Nada que os brasileiros não saibam. Em dezembro do ano passado, o juiz auxiliar da presidência do CNJ Douglas de Melo Martins elaborou relatório sobre a situação desumana do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís/MA. O juiz apontou que, pelo menos, 60 presos morreram no estabelecimento prisional em 2013. A principal causa da violência é a disputa de poder entre presos oriundos do interior e os da capital, divididos em facções.
Martins também destacou a ocorrência de abuso sexual contra mulheres que visitam presidiários no local e apontou indícios de atos de tortura que teriam sido praticados por agentes públicos contra presos.
Neste mês, o jornal Folha de S.Paulo publicou vídeo gravado por presidiários mostrando três homens que foram decapitados dentro do complexo.
O juiz Roberto de Paula, da 1ª vara de Execuções Penais de São Luís, relata que os presídios no Maranhão são “depósitos de presos” e que a política de ressocialização é praticamente nula. Segundo ele, “os presos são tratados como objetos” no Estado.
O magistrado conta que, em São Luís, tanto a Unidade Prisional de Ressocialização do Monte Castelo quanto o Complexo Penitenciário de Pedrinhas amparam detentos do semiaberto. Em Monte Castelo ficam os apenados com trabalho externo e, em Pedrinhas, os que não trabalham fora. Mas os dois estabelecimentos estão superlotados, informa Roberto de Paula.
Mensalão
No julgamento da AP 470, o processo do mensalão, José Genoino, Delúbio Soares, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry, Bispo Rodrigues, Romeu Queiroz, Roberto Jefferson, João Cláudio Genu, Breno Fischberg, Enivaldo Quadrado e Jacinto Lamas foram condenados ao regime semiaberto.
O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares está trabalhando na CUT – Central Única dos Trabalhadores; o ex-deputado Pedro Henry foi autorizado a trabalhar no Hospital Santa Rosa, em Cuiabá/MT; o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas foi admitido como assistente administrativo em uma empresa de engenharia em Brasília; o ex-deputado Romeu Queiroz já começou a trabalhar em sua própria empresa, a RQ Participações; e o ex-deputado Bispo Rodrigues também vai trabalhar fora, mas ainda não se sabe onde.
O ex-deputado Valdemar Costa Neto ainda não apresentou pedido de trabalho externo e o ex-presidente do PT José Genoino está em prisão domiciliar em razão de problemas de saúde.
O presidente do PDT, Roberto Jefferson, e o ex-assessor do PP João Cláudio Genu ainda não estão cumprindo suas penas.
Em relação aos sócios da corretora Bônus Banval Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado, eles terão que prestar serviços à comunidade.