O xis da questão

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“[…]Não se perca de vista, por mais revoltado que estejamos todos, que o  problema da justiça feita com as próprias mãos é que, como regra, os justiceiros partem apenas de uma evidência para, a partir dela, substituir o Estado no seu desiderato de processar e punir os criminosos.  E evidência, eis o xis da questão, não é o mesmo que verdade. Evidência é ponto de partida; verdade é ponto de chegada[…]”

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Basta assistir ao noticiário televisivo para que se constate que vivemos em estado de guerra: dos criminosos contras as vítimas; das vítimas – em potencial ou direta – contra os criminosos (vide linchamentos e vingança privada); do aparato estatal contra os criminosos; dos criminosos contra as agências de segurança do Estado (vide confronto nas favelas do Rio entre criminosos e Polícia Militar).

É preciso ter em conta que quando a sociedade civil se descontrola e, ipso facto, entra em colapso, todos perdemos;perdem os culpados e os inocentes, os bons e os maus, os ricos e o pobres. Ninguém ganha, enfim, quando as instituições estatais, por omissão ou fraqueza, são substituídas pela ação  dos justiceiros, por exemplo.

Vejo, nesse sentido, com muita preocupação, os casos de linchamentos se multiplicam em todo o país; linchamento que não significa nada mais do que vingança privada ou justiça com as próprias mãos, que se materializam, sempre, quando o Estado se mostra impotente e pusilânime.

O primeiro caso de vingança privada que chamou a atenção do mundo foi o do menor espancado por “justiceiros”, depois de ser amarrado a um poste, no Flamengo, Rio de Janeiro, acusado da prática de pequenos furtos na área.

Ontem os jornais noticiaram mais um caso escabroso.  No Piauí, um homem, suspeito da prática do crime de roubo, foi amarrado e colocado sobre um formigueiro. Gritava, embalde: “Ai, meu Deus, tá queimando“.

E os seus algozes, diante dos pedidos de clemência, respondiam: ” Agora lembra de Deus, né? Na hora de roubar tu não lembra.

É claro que todos estamos agastados com a criminalidade. É claro que estamos perdendo a fé em tudo. Mas, ainda assim, o pior caminho é o da vingança privada, conquanto reconheça que, muitas vezes, nos sintamos tentados a trilhar por esse caminho, fruto, não se discute, da descrença que todos temos em nossas instituições.

Entrementes, ante a constatação de que as pessoas passaram a agir, mais amiúde, em substituição às instâncias persecutórias, resta indagar:: Em que se diferenciam ação  assaltantes dos vingadores privados?

Não se perca de vista, por mais revoltado que estejamos todos, que o  problema da justiça feita com as próprias mãos é que, como regra, os justiceiros partem apenas de uma evidência para, a partir dela, substituir o Estado no seu desiderato de processar e punir os criminosos.  E evidência, eis o xis da questão, não é o mesmo que verdade. Evidência é ponto de partida; verdade é ponto de chegada. Todavia, para se chegar a uma verdade, um longo caminho deve ser percorrido, convindo consignar que, mesmo depois do longo caminho percorrido, podemos não chegar à verdade. O fato, por exemplo, de qualquer pessoa ser flagrada com o produto de um roubo, não significa, necessariamente,  que ela tenha praticado o crime; e isso não é incomum, registro. Daí a temeridade desse tipo de “justiça”, que bem pode nos levar à punição, desproporcional, de um inocente.

Pense nisso, por mais que você, como qualquer outro cidadão, esteja revoltado com o quadro de degradação pelo qual passam as nossas instituições.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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