Doses diárias de Eugenio Raúl Zaffaroni

No período de 26 a 29 de agosto próximo passado, participei, na condição de espectador, do 20º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, realizado na cidade de São Paulo. Desnecessário dizer da relevância de participar de um evento dessa envergadura, sobretudo em face da excelência dos temas apresentados, desenvolvidos por criminalistas da mais elevada estirpe, reconhecidos mundialmente em face das teorias e teses por eles desenvolvidas.

Na oportunidade, fomos contemplados com palestras de juristas da envergadura de  Claus Roxin (O Significado da Política Criminal para os Fundamentos do Direito Penal),   Eugenio Raúl Zaffaroni (Dogmática Penal e Liberalismo), Guilherme de Souza Nucci  e Gilmar Ferreira Mendes( Habeas Corpus: Função e Papel no Processo Penal Brasileiro), César Roberto Claro Bittencourt (Aplicação da Pena e sua Dosimetria), Jorge Figueiredo Dias (Problemas Dogmáticos-Sistemático Fundamentais da Doutrina do Crime), dentre outros.

Em eventos desse jaez, para além dos temas em debate,  exacerbando a minha veia de cronista, procuro observar o comportamento do ser humano, seja de um anônimo, seja de um pop star. Isso decorre da minha quase obsessão de perscrutar, de tentar conhecer o ser humano, espécime, desde os meus olhos, quase sempre enigmático, a estimular, por isso, as mais variadas interrogações.

O comportamento do homem tem sido, desde sempre, objeto da minha atenção, sobretudo em face da minha vocação para a ciência criminal.  Admito ser quase obsessivo nessa questão, pois, dependendo do contexto, quase nada passa ao largo da minha percepção. Fico a distância, à socapa, de soslaio, quase como um animal farejando a caça, colhendo os detalhes da conduta do ser humano que, por isso, tem sido objeto de muitas crônicas da minha autoria.

Em eventos desse jaez, quase sempre falo pouco, mas ouço muito e observo sempre, para que possa fazer as minhas reflexões e tirar as minhas conclusões, muitas deles, claro, precipitadas, equivocadas, como às vezes costuma ocorrer.  E por que procedo dessa forma? É que sempre acho que do ser humano se pode esperar algum comportamento excêntrico, algo inusitado, digno de nota; seja um olhar malicioso, um sorriso maroto, uma atitude irrefletida, um ato de exibição, uma conduta exótica ou uma atitude esquizofrênica. Por isso, fico atento, sem descuidar de mim, sem esquecer que, como ser humano, sou igualzinho àqueles que elejo como objeto das minhas observações. Ademais, é bem provável que eu também possa estar sendo alvo de observação e,  quem sabe?, de censura.

Nesse afã, no último dia do evento, deparei-me com um fato inusitado, sobretudo porque o protagonista foi, ninguém mais, ninguém menos, que Eugênio Raúl Zaffaroni, jurista argentino, festejado como um dos mais importantes juristas da sua época, que, ao terminar de proferir a sua palestra, protagonizou uma situação excêntrica, própria, assim penso, de pessoas inteligentes e humildes, como descrevo a seguir.

Pois bem.  Ao deixar a sala de conferência, Zaffaroni foi seguido, como um ídolo popular, por mais de cinquenta participantes do evento, tendo às mãos, cada um, um exemplar de um livro de sua autoria, em busca de um autógrafo.  Zaffaroni, sem surpresa, vez que, por onde anda, é recebido com o mesmo entusiasmo e assédio, vendo aquela fila de fãs em seu encalço, todos ávidos por um autógrafo, e sem encontrar, no primeiro momento, um lugar para sentar, não se fez de rogado: sentou numa almofada, no hall do hotel, e passou a distribuir autógrafos, colocando os livros sobre as pernas, num evidente desconforto, recepcionando, com carinho, atenção e humildade, os fãs brasileiros.

Essa cena me remeteu a outro evento igualmente inusitado, mas pelo lado negativo. Lembrei-me de ter encontrado, certa feita, um advogado pelos corredores do Tribunal de Justiça, já próximo do meu gabinete, com uns memoriais às mãos. Aproximou-se de mim, de forma humilde e respeitosa. Indagou, então, se poderia me entregar os memoriais ali mesmo, no corredor onde nos encontramos.

Fiquei surpreso com a pergunta e questionei o porquê de tanto embaraço ante uma situação tão corriqueira.  Ele me respondeu, constrangido, que há alguns minutos tentara fazer o mesmo em relação a um(a) colega, mas que recebera em troca uma descompostura, uma reprimenda. Segundo ele, o(a) colega entendeu a abordagem no corredor como um desrespeito à liturgia do cargo, embora, registro, não tivesse usado exatamente  essa expressão.

 Conforme se pode observar, enquanto Eugenio Raúl Zaffaroni, reconhecido mundialmente pela excelência de sua obra, destacado integrante da Corte Suprema da Argentina, conferencista de renome mundial, senta-se praticamente no chão, no hall de um hotel de luxo, de terno e tênis Nike, para brindar os seus leitores com um autógrafo, há quem se julgue tão importante, a ponto de tratar com descortesia um advogado, apenas porque ousou entregar peças de um memorial nos corredores de um Tribunal, certamente por entender que o advogado deveria pedir uma audiência para essa finalidade.

Aos que pensam e agem assim, recomendo uma dose diária de Eugenio Raúl Zaffaroni, logo ao amanhecer, antes, portanto, de se deslocar ao trabalho, durante trinta dias. Persistindo os sintomas, procure um médico, de preferência um que saiba cuidar das coisas da mente.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Doses diárias de Eugenio Raúl Zaffaroni”

  1. É MUITO SALUDÁVEL ESCUTAR A ESTE HOMEN, ELE CONDUZ UM PROGRAMA NO CANAL ENCUENTRO DA TELEVISAO PUBLICA ARGENTINA,SE CHAMA “LA CUESTIÓN PENAL” TAMBÉM SE PODE VER ON LINE.

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