Sísifo e o Poder Judiciário

Sísifo, na Mitologia Grega, foi considerado o mais astuto dos mortais, tendo recebido o título de mestre da malícia. Todavia, cometeu um grave pecado. Ousou ofender os deuses, tendo, por isso, recebido uma punição severa, para toda eternidade, que consistia em rolar com as mãos uma grande pedra de mármore até o cimo de uma montanha. Entrementes, para que se perpetuasse a punição, como queriam os deuses, todas as vezes que ia alcançando o topo da montanha, a pedra caia de novo, ladeira abaixo, pelo seu próprio peso, chegando novamente à planície, compelindo-o a tentar, outra vez, levá-la ao cume; sempre embalde, todavia, pois as suas forças se esgotavam antes de chegar ao objetivo. Isso porque os deuses entendiam não existir punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

É certo que “diferem as opiniões sobre os motivos que lhes valeram ser trabalhador inútil dos infernos” (Albert Camus), questão que não é relevante para os argumentos que pretendo consolidar nessas reflexões, como o farei a seguir, afinal, “os mitos são feitos para que a imaginação os anime” (Albert Camus).

Pois bem. Nos julgamentos dos quais participei, tanto nas Câmaras Criminais Reunidas quanto na 2ª Câmara Criminal, e ao tempo em que compunha o Pleno do Tribunal de Justiça, por diversas vezes fiz menção a essa alegoria, para, a partir dela, tentar retratar as minhas impressões sobre o Poder Judiciário, que, reconheço, produz muito, mas que, aos olhos da opinião pública, é como se nada fizesse, pois há sempre a sensação, não sem razão, de que as demandas apenas se eternizam, tamanho o volume de litígios formalizados, sobretudo depois que o acesso se tornou menos onírico para uma parcela significativa da nossa sociedade.

A verdade, no entanto, é que, examinada a questão sem paixão, fazemos muito, produzimos muito, lutamos diuturna e incessantemente, mas não conseguimos, e nem conseguiremos, decerto, dar vazão aos mais de 96 milhões de processos em andamento nas mais esferas do Poder, fruto de uma cultura ultrapassada de que todos os conflitos e problemas sociais devem ser resolvidos mediante o ajuizamento de um processo (Ricardo Lewandowski).

Diante desse quadro, avulta, com singular importância, a Conciliação como a via alternativa eficaz para solução dos conflitos, que tem sido implementada em todo país, com singular destaque para o estado do Maranhão, pelo seu Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, prática estimulada, em boa hora, pelo Conselho Nacional de Justiça (resolução 125/2010), e a ser formalizada pelo legislador ordinário, de lege ferenda.

Em vista da realidade que acima descrevi e ante a convicção que tenho de que o Poder Judiciário, como Sísifo, em face da pena a ele infligida, não tem condições, pelos seus 15 mil juízes, de atender, a tempo e hora, às demandas formalizadas, tenho lutado, com a minha excepcional equipe de trabalho, contando com o respaldo decisivo dos três últimos presidentes do TJMA, no sentido de consolidar a Conciliação como via eficaz e alternativa de solução dos conflitos, como o são, no mesmo passo e na mesma medida, a mediação e a arbitragem.

Ainda recentemente, com o respaldo decisivo da presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Cleonice Freire, e de alguns dos nossos colegas de primeiro grau, implementamos o projeto de Conciliação Itinerante, em convênio com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), contando com a participação determinada de várias outras instituições e empresas demandantes e demandadas com resultados expressivos e alvissareiros, a nos impelir ao caminho da interiorização do mesmo projeto, cujas bases lançamos recentemente nas comarcas de Balsas e Imperatriz.

Nesse mesmo afã, já demos a largada para a realização da 2ª Semana de Conciliação Itinerante, desta feita em convênio com a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), para atendimento aos jurisdicionados dos diversos bairros que circundam a instituição de ensino, todos de certa forma órfãos das ações inclusivas do Estado.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Sísifo e o Poder Judiciário”

  1. Brilhante texto, Dr. José Luiz. De fato, tem se intensificado a tendência para judicialização dos conflitos. Parece-nos que parte da sociedade está passando por um processo de invoução, na medida em que reserva a um terceiro (O Estado) a função de resolver seus litígios, por menores que sejam.
    Iniciativas como os Centros de Conciliação, sobretudo os que foram implantados em convênio com as Instituições de Ensino, revelam-se bastante eficazes para diminuir a quantidade de demandas no judiciário. Relevante também, que a implantação destes centros seja acompanhada de campanhas de conscientização da sociedade sobre a importância da conciliação para apacificação dos conflitos sociais. Parabéns pelo trabalho desempenhado, ainda que aos olhos dos outros haja semelhança com a Lenda de Sísifo.

  2. O que dizer de um Sísifo que, sem qualquer interesse, apenas por admiração intelectual, ao invés de enganar os deuses procurou ajudá-los, quando inimigos “comuns” tramavam pela sua derrocada? A conciliação alem de trazer em sua essência a possibilidade do acordo traz a lume a concretização do perdão, sem ressentimentos,possibilitando que dessa forma que os “Sísifos”da vida alcancem seu objetivo e se livrem desse eterno castigo, como dizia Jean Baptiste :”eterno só o espírito”.A má lembrança é esquecida pelo real entendimento.

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