Ouço de muitos o desejo, uma quase sofreguidão, de sair da rotina; é como se a rotina, por si só, fosse um mal, algo a ser evitado, quando, na minha avaliação, ela é indispensável a quem, como o magistrado, tem que desenvolver um especial esforço intelectual para, com sensibilidade e equilíbrio, decidir o conflito de interesses contrapostos e deduzidos em juízo.
Como uma reafirmação da minha condição de, digamos, excêntrico, gosto, diferente de muitos, da minha rotina; tenho-a como necessária para a minha atividade intelectual. Nesse sentido, tenho por inviável uma vida produtiva, sem me submeter a minha rotina; rotina, muitas vezes, espartana, razão pela qual, quando tenho que dela me afastar, sinto-me perseguido por um déficit mental que compromete, definitivamente, a minha a capacidade intelectual, em detrimento, claro, da apreensão do objeto cognoscível, a exigir, nessa senda, redobrado esforço intelectual.
Por isso, e muito mais, tento não sair da rotina, porque dela dependo para preservar a minha capacidade intelectual, limitando-me a afronta-la tão somente em face de uma excepcionalidade, de algo invencível, insuperável, que independa das minhas forças e da minha vontade, com o que me defronto, aqui e acolá, como sói ocorrer.
Quando saio da minha rotina, por uma ou outra razão, sobretudo quando o rompimento se dá de súbito, sem um tempo mínimo para promover o necessário equilíbrio mental, penso estar vivendo num mundo estranho ao meu. Nesse cenário, é como se a vida parecesse sem sentido. Por isso, posso reafirmar, à ilharga da rotina não sou a mesma pessoa. Nessa condição, até eu mesmo, que penso ser normal, sinto-me como se reafirmasse a opinião dos que juram, de pés juntos, por maldade ou ciência própria, que eu padeço de alguma patologia ainda não diagnosticada.
A quase obsessão pela minha rotina tem me levado por caminhos que certamente não levariam uma pessoa, digamos, normal. Tentei, por exemplo, lecionar na Universidade Federal e na ESMAN, mas logo desisti. O magistério me compelia sair de casa à noite. Para mim era um tormento. No dia definido para lecionar, eu já acordava apoquentado com iminência de hostilizar a minha rotina. Pensei, pensei e desisti, na convicção, definitiva, de que nada se compara ao prazer de estar em casa, e poder desfrutar da companhia da minha família.
Tenho trabalhado, tenazmente, para controlar a minha ansiedade. Em muitos aspectos da vida a controlei, definitivamente. Hoje, maduro, posso dizer que sou do tipo que nem engarrafamento e antessala de médico conseguem me irritar. Aprendi a esperar. Deixo fluir o tempo. Estar vivo, para mim, é o que me basta.
Todavia, não sou sempre assim. Não sou tão normal assim. Há circunstâncias da vida que ainda não controlo a minha ansiedade, exatamente porque condiz com a minha rotina, que reluto em aceitar que seja maculada, ciente, entretanto, que, para os mais jovens, acostumados com os novos tempos, tudo não passa mesmo de caturisses de um velho.
A ansiedade toma conta de mim, por exemplo, quando chega a hora de ir para casa almoçar com a minha família. Essa é a ansiedade que não consegui controlar, porque ela bate de frente com a minha rotina, que tento preservar a todo custo, de sorte que quando soube, antes mesmo da votação, que meu nome seria alijado da composição do órgão especial, apesar de decepcionado com a lista sêxtupla previamente elaborada, não sucumbi, pois, se é verdade que frustraram as minhas expectativas, já que, apesar das minhas manias, não deixo de ser profissional, pude, ainda que involuntariamente, voltar a cumprir a minha rotina.
É claro que é decepcionante não ter sido escolhido para compor o órgão especial, vez que, todos sabem, coloco as minhas idiossincrasias de lado quando está em questão interesse público. Todavia, poder voltar à minha rotina, importa dizer, não é algo de que possa me queixar, conquanto, reafirmo, mesmo em face das minhas manias, sou, acima de tudo, profissional e responsável, razão pela qual, se tiver um dia que voltar ao Pleno, saberei compatibilizar a minha rotina com o interesse público, afinal, movido a desafios, não sou do tipo que capitula diante dos obstáculos; não sou, definitivamente, nessa questão e noutras do mesmo jaez, tão radical quanto o general Patrício Macário, personagem marcante do romance Viva o Povo Brasileiro, do saudoso João Ubaldo Ribeiro, que, em determinada passagem do magistral obra, expõe a sua recusa, definitiva e sem concessões, de mudar de hábitos por causa dos outros; conquanto pareça olhos de uns poucos, caturra não sou, definitivamente.