Excretos em profusão

Um dia desses, depois de um longo período sem fazer exercícios, resolvi, por recomendação médica, fazer uma caminhada na direção do famigerado Espigão, incrustado na não menos famosa Península, na Ponta D’areia, área nobre da cidade, e o fiz por mera curiosidade, depois de tanto ouvir falar que a área estava muito bonita, e que valia a pena espairecer por aquelas paragens.
Mesmo em estado de convalescência, mas tomado de raro entusiasmo, resolvi me preparar para a caminhada, supondo, claro, que me deleitaria com uma bela construção. E pelo fato de saber que do poder público são poucas as boas ações, isso também foi motivo suficiente para gerar em mim essa expectativa que me impulsionou na direção do Espigão.
E assim, comecei a pensar com os meus botões: fazer uma caminhada, no final de uma linda tarde de outubro, assistindo ao pôr do sol, espetáculo de rara beleza, ainda mais numa área recentemente urbanizada, deve ser privilégio do qual não se pode abrir mão, ainda que diante de algumas adversidades.
Logo nos primeiros passos sobre o calçadão, surpreendi-me com o um nauseabundo espetáculo: excretos de cachorros espalhados pelo caminho. Um festival de matérias fecais, reflexo, claro, de uma (parte da) sociedade sem educação.
Quase desisti, confesso. Entretanto, como sempre procuro ver tudo pelo lado positivo, pensei, para não desanimar: foi apenas uma desatenção, um caso isolado, que não deve se repetir.
Assim pensando, prossegui. Todavia, logo me dei conta de que não era um ato isolado. Mais à frente, contrariando o meu otimismo inicial, mais e mais excrementos. Enfim, um repugnante festival de excretos!
Comecei a me irritar, é claro. Mas na minha teimosia, segui em frente. Mas adiante, estupefato, já tomado por certa indignação, constatei que havia por toda a parte mais e mais excrementos, expostos de forma acintosa, sem nenhum respeito ao transeunte, uma vergonha, o que se pode chamar de indecorosidade.
Pensei: vou desistir da caminhada, pois, àquela altura, eu já alternava momentos de tolerância e otimismo com outros de pura indignação e revolta. Conquanto indignado, mas ainda movido por um saldo diminuto de tolerância, resolvi prosseguir, disposto a chegar ao fim, impulsionado, agora, muito mais pela curiosidade que pelas atrações da área recém urbanizada.
Mais adiante, para meu regalo pessoal, deparei-me com um conhecido, com o qual não cruzava há muitos anos. Ele me cumprimentou de forma efusiva, e eu respondi aos cumprimentos com a mesma satisfação. Ao ensejo, me apresentou a dois turistas, aos quais fazia companhia, exibindo a eles, talvez com o mesmo regalo, a área recém-urbanizada.
Depois dos cumprimentos de praxe, comentei com ele que tudo estava muito bonito, mas que eu não me conformava com a falta de educação do povo (Povo não! Desculpem! Façamos justiça: meia dúzia de desorientados), advertindo-o para quantidade de excretos de cachorros espalhados pela via. Ele não pareceu ter-se dado conta, absorto, certamente, com o diálogo que travava com os ciceroneados.
Aparentemente, ele não deu muito importância para o meu registro. Todavia, para estupefação dele e dos amigos, constatei que muito próximo dele, já esmagado por algum transeunte desatento, e muito próximo de ser esmagado outra vez, havia outra montanha de fezes de cachorro.
Cuidei de mostrar o excremento como um achado, como um troféu, como uma prova de que, ao me indignar, não o fazia à toa. Contraditoriamente, fiquei feliz em deparar-me com aquele monte de excretos, como prova material e definitiva do “crime” praticado em detrimento dos transeuntes.
Nós olhamos um para o outro; ele, de seu lado, repetiu o olhar aos turistas, certamente desolado.
Seguimos em frente. Voltei ainda um pouco indignado, e ele prosseguiu em direção ao Espigão, certamente mais atento, pois que, parafraseando Chico Buarque, qualquer desatenção, faça não! Ela pode ser a gota d´água, ou melhor, poderá demandar a procura de água, para uma providencial assepsia.
Foi assim o final de tarde que, equivocadamente, eu antevia prazeroso para mim. Mas tudo resultou em desalento, em face da falta de educação de uns poucos.
Do meu colega de desdita espero que tenha o cuidado de explicar ao casal de turistas, para evitar uma decepção ainda maior, que pior que no Espigão é a situação no Reviver, Centro Histórico de São Luis, onde, em vez de excretos de cachorros, os poucos turistas que se aventurarem visitar a área, defrontar-se-ão, seguramente, com excrementos e urina de gente.
Para encerrar, duas indagações que imagino importantes: de quem são os animais que fazem do Espigão o seu depósito de fezes? A responsabilidade pela sujeira é dos proprietários dos animais ou de quem recebe autorização para levá-los ao passeio público?

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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