Guilherme de Souza Nucci, numa das aulas recentemente ministradas no curso de pós-graduação, fez duras críticas aos juízes do seu Estado, os quais, segundo ele, não fundamentam as decisões que convertem em preventivas as prisões em flagrante, bem assim a dosimetria das penas, limitando-se a repetir as palavras da lei (garantia da ordem pública, para justificar um decreto de prisão preventiva, ou consciência da ilicitude, como circunstância judicial, para justificar a majoração da pena-base), submetendo, dessa forma, os juízes do segundo grau a uma situação desconfortável, em virtude de lhes caber o ônus de colocar em liberdade perigosos meliantes ou reduzir as penas fixadas no édito condenatório.
Na mesma aula, o eminente doutrinador aduziu, ademais, que são muitos os magistrados de primeiro grau que, instados a prestarem informações, em face de habeas corpus, limitam-se, na mesma balada, com a mesma falta de zelo, a fazer um brevíssimo relatório do processo, quando, na sua compreensão, deveriam justificar as razões pelas quais decidiram pela manutenção da prisão.
Devo dizer, a propósito, que essa é uma situação que nos iguala a todos. Aliás, basta atentar para as decisões dos Tribunais de Justiça do Brasil inteiro para se concluir que, infelizmente, são muitos os magistrados de primeiro grau que, nas decisões criminais, não se esmeram na fundamentação de suas decisões, não só nos decretos de prisão preventiva, como também, sobretudo e rotineiramente, quando da dosimetria das penas, resultando disso que, muitas vezes, réus perigosos são beneficiados com a redução da pena ou com o relaxamento de sua prisão, em detrimento, claro, dos legítimos interesses da sociedade, que já não suporta tanta violência, estimulada, disso tenho convicção, pela sensação de impunidade.
Essa pouca importância que têm sido dada ao comando constitucional – que impõe a todos os magistrados o dever de fundamentar as nossas decisões – nos coloca a todos, enquanto representantes das agências formais de controle, em situação de desconforto perante a comunidade, nos agastando sobremaneira em face dessa grave omissão, incompatível com o Estado Democrático de Direito, cujas consequências são desastrosas para o conjunto da sociedade, máxime porque, de regra, os recursos que aportam no segundo grau são da defesa, inviabilizando, assim, qualquer decisão que não seja em seu próprio benefício.
Registro que o professor Guilherme de Souza Nucci não pediu segredo ao fazer a grave acusação contra os seus pares, já que o fez publicamente, no último Seminário do IBCCRIM, do qual tive a oportunidade de participar, em São Paulo; críticas acerbas e em razão das quais não vi nenhuma manifestação contrária. Aliás, quem pretender confirmar a veracidade do que disse o professor Guilherme de Souza Nucci, basta pesquisar nos acórdãos dos Tribunais do Brasil, para constatar as incontáveis vezes em que fazemos menção às decisões desmotivadas, em razão das quais, especificamente no que condiz com à dosimetria da penas e aos decretos de prisão preventiva, somos obrigados a relaxar prisões ou compelidos a reduzir penas, impossibilitados, noutro giro, de avaliar a racionalidade da decisão judicial submetida a reexame (Aury Lopes Júnior).
A propósito dessa situação que nos iguala a todos, lembro-me de uma reflexão interessante do antropólogo Roberto da Mata, autor de Carnavais, Malandros e Heróis, segundo o qual o trânsito mostra de forma inequívoca como o brasileiro tem horror a situações nas quais é colocado em igualdade de condições com outros. Contudo, segundo o antropólogo, ainda que uns dirijam limusines, e outros, carrinhos populares, ou uns tenham dinheiro para “molhar a mão” do guarda e outros não, o sinal é vermelho para todos.
Se for verdade, como diz o antropólogo, que temos pavor de ser colocados em condições de igualdade com os outros, seria de bom tom que nos esmerássemos mais em nossas decisões, sobretudo em matéria penal, para não proporcionar a redução injusta de pena e nem facilitar a concessão de liberdade para quem não merece, pois, diante do quadro de violência que a todos nós aflige, estamos em igual situação, queiramos ou não. E aí, não adianta lamentar, porque, ante a violência, assim como no sinal de trânsito, somos todos iguais.