Em face de tudo o que tem sido noticiado sobre o aparelhamento do estado e desvio de verbas públicas, essa crônica é mais que oportuna. Não pretendo com ela, no entanto, nada mais que refletir, à minha maneira, sem a pretensão descabida de assumir o papel de paladino da moralidade, o que não sou, tendo em vista que, como qualquer homem público, devo me equivocar, de vez em quando, nas minhas escolhas morais.
Dito isto, menciono, agora, para ilustrar essas reflexões, dois exemplos – um da vida real e outro, da ficção – que bem demonstram a visão de mundo das pessoas, a partir dos valores morais de cada um.
Primeiro, da vida real. Escutava eu um programa policial, quando o repórter indagou ao meliante se ele não tinha escrúpulos em roubar uma aposentada, que já percebia tão pouco, que já dera a sua contribuição à sociedade, e que, por viver de uma pequena aposentadoria, decerto sobrevivia com muita dificuldade. O meliante, vaidoso, respondeu indagando ao repórter, mais ou menos nesses termos: “E você pensa que a minha vida é moleza. Assaltar não é fácil, meu amigo. Se a vida da vítima é difícil, as minhas dificuldades não são menores”.
Agora, o exemplo da ficção, por mim já referida em outra oportunidade. O meliante Lambreta, na crônica de Rubem Fonseca, intitulada Feliz Ano Novo, era, como o meliante antes referido, além de arrogante, um cara vaidoso; e sua vaidade decorria das suas ações criminosas, tanto que um dos seus pares, em determinado passagem da extraordinária crônica, lhe faz a seguinte menção: “O Lambreta quer fazer o primeiro gol do ano. Ele é um cara vaidoso, disse Zequinha. É vaidoso, mas merece. Já trabalhou em S. Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Niterói, para não falar aqui no Rio. Mais de trinta bancos”.
Aqui mesmo neste mesmo espaço, já refleti em outras ocasiões sobre a vaidade malfazeja, aquela que é capaz de cegar, de só permitir que o homem veja a sua própria imagem refletida, o que o faz pensar que o seu umbigo é o centro do universo, como é o caso dos personagens mencionados à guisa de exemplo.
Aqui pretendo refletir, mais uma vez, com mais ênfase, sobre a vaidade, nas suas duas vertentes, a forma como se apresenta aos meus olhos: a benfazeja, ou seja, aquela que, de rigor, todos temos, e que é até certo ponto necessária, já que todas as pessoas gostam de ser reconhecidas, elogiadas, respeitadas; e a dita malfazeja, aquela que leva os homens a fazerem loucuras, a perderem a noção do ridículo, a se comportarem como se as relações pessoais exigissem uma grife para fazer sentido, que têm sede de poder e de dinheiro, pouco se importando com a sujeira que deixam pelo caminho e os reflexos de suas condutas junto às próprias famílias, como temos visto no caso do “petrolão” e, antes, do “mensalão”.
Enquanto a vaidade benfazeja nos impõe a obrigação de fazer sempre o melhor, para corresponder às expectativas do semelhante e às nossas próprias expectativas, a malfazeja, de seu lado, é cruel, daninha, esquizofrênica, perversa, corrosiva, destruidora, danosa, esnobe, ridícula, digna de reproche, podendo, em face de todos esses predicados, levar à perda do sentido do que seja imoral ou inescrupuloso.
A reafirmar as nossas eternas contradições, a exigir de todos uma intensa reflexão, todos nós testemunhamos, nos dias presentes, com a dimensão que o mais pessimista não seria capaz de imaginar, a sedimentação, a carnavalização, a proliferação, em escala industrial, do malfeito, como se fosse uma regra.
O grave é que, para o meu, para o nosso desalento, há os que se orgulham, que se ufanam, sem disfarce, do mal que fazem às pessoas, quando, por exemplo, subtraem o dinheiro público. Esses, apesar do mal que fazem a todos nós, por vaidade (malfazeja, como mencionei acima), pelo apego danoso ao dinheiro, ainda se sentem no direito de esnobar, de promover festas grandiosas à custa do meu, do nosso dinheiro, como se fosse algo absolutamente natural.
Mas como cada um é cada um, cada um se orgulha ou se envaidece de acordo com os seus valores morais. Uns preferem se manter nos estreitos limites da ética, da honradez e da decência; outros, sem escrúpulos, se vendem por pouco, fazem qualquer negócio, se orgulham de, num mundo de otários, se destacarem por não sê-lo.
Eu, cá com os meus botões, vou levando a vida com as minhas “otarices”, na certeza de ter optado, diante de um leque de escolhas morais, pelas mais condizentes com a minha condição de cidadão, magistrado e pai de família, conquanto admita, com humildade, que possa, sim, em algum momento da minha vida e com considerável grau de certeza, não ter feito a melhor escolha.