O que se ouve dizer e o que se lê, em todas as revistas especializadas, em todos os artigos que tratam da questão prisional, em todos os seminários e congressos nos quais se tratam de temas relacionados à criminalidade e ao sistema carcerário, é que nunca se prendeu tanto, que os juízes abusam da prisão provisória, que prendem primeiro para depois condenarem, que, perigosamente, invertem a lógica da presunção de inocência, que a prisão deveria ser, mas não é, a última ratio da extrema ratio, e que, por isso, tem sido utilizada abusivamente.
Verdades absolutas? Não! Verdades, sim, mas relativas. Não é verdade, por exemplo, que os juízes façam tabula rasa do princípio da presunção de inocência ou que não reconheçam os malefícios da prisão e de que o cárcere deva ser a última opção. Contudo, é preciso reconhecer que, verdadeiramente, nunca se prendeu tanto e que há um número excessivo de prisões provisórias.
Mas por que isso ocorre? Por que se prende tanto? Porque os juízes são insensíveis? Porque temos a mentalidade terceiro-mundista? Porque os juízes desconhecem a situação carcerária do país? Porque não sabem que as prisões são uma universidade do crime? Porque desconhecem que as prisões são verdadeiras masmorras? Porque não sabem que são uma escola de recidiva? Porque não têm consciência de que os direitos humanos são desrespeitados nas chamadas instituições totais? Porque pensam que crime se combate apenas com prisão? Porque, enfim, lhes falta sensibilidade?
Atrevo-me a responder às indagações, assumindo o risco de ser contestado, dizendo que os juízes – em sua maioria, pelo menos – não são insensíveis e nem desconhecem a realidade carcerária do Brasil, e muito menos as garantias legais inseridas em nossa Carta Magna. Aventuro-me a afirmar, nesse sentido, que se prende muito porque nunca se cometeu tantos crimes violentos e nunca se reincidiu tanto nas práticas criminosas mais nefastas para o conjunto da sociedade.
Prende-se muito, ademais, porque a prisão ainda é a face mais visível, a mais didática, a mais exemplar das (re)ações das instâncias persecutórias, conquanto se tenha que admitir a sua quase falência e, no mesmo passo, se tenha a convicção de que ela deva ser reservada apenas para os criminosos violentos e/ou recalcitrantes, como tem sido, pois não me ocorre que alguém permaneça preso se não cometeu crime violento ou sem que seja contumaz.
Prende-se muito, porque não há políticas públicas preventivas da criminalidade, razão pela qual temos que trabalhar com os efeitos da ação criminosa, cientes de que as causas da criminalidade permanecem inalteradas, realimentando o sistema. Prende-se muito, de mais a mais, porque entendemos ser preciso dar uma resposta à sociedade, que tem que ser minimamente protegida. Prende-se muito, finalmente, porque não se pode fazer vista grossa diante do criminoso recalcitrante, da criminalidade grave, como antecipei acima.
Os que fazem esse tipo de questionamento pensam, equivocadamente, olhando apenas um lado da questão, que só os autores de crimes merecem a tutela do Estado, que só a eles importa a proteção contra os excessos. A sociedade, sob essa mesma visão, não mereceria proteção, razão pela qual dever-se-ia, em face da escalada criminalidade, sublimar a presunção de inocência em detrimento do interesse público,, como se fosse um direito absoluto; e, conforme sabemos, direito absoluto não é, pela singela razão de que direito absoluto não existe.
Portanto, é necessário colocar as coisas no seu devido lugar. Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Se é verdade, com efeito, que a prisão, máxime a provisória, deveria ser a última opção – e efetivamente o é -, não é menos verdadeiro que a sociedade tem o direito à proteção das instâncias de controle, as quais, para esse fim, devem, sim, sem excessos que possam ferir a razoabilidade, valerem-se dos mecanismos de tutela para sua proteção, sabido que a não observância ao direito de proteção corresponde, também, a uma lesão a direito fundamental.
É preciso não olvidar da obrigação positiva do Estado quanto à materialização dos direitos fundamentais, dentre eles, mas do que nunca nos dias atuais, o direito à segurança, positivado na Constituição Federal.
À guisa de ilustração, anoto que o Direito Penal serve, simultaneamente, como limitação ao poder de intervenção do Estado, como instrumento de combate ao crime. Todavia, deve, com a mesma intensidade, proteger a sociedade e seus membros dos abusos do individuo. Assim é que o mesmo direito penal que protege a liberdade individual em face de uma repressão desmedida do Estado, deve preservar o interesse social ainda que à custa da liberdade do indivíduo (Claus Roxin)
Não se pode, diante da criminalidade recorrente e da situação de quase descalabro que todos nós testemunhamos, deixar tudo como está, colocar em liberdade meliantes perigosos, a pretexto de que prisão não corrige ou de que os acusados, no atual sistema penal, tendem a sair pior do que entraram, mesmo porque as pessoas assaltadas ou estupradas, por exemplo, jamais entenderiam a liberdade de um roubador ou de um estuprador, à invocação da presunção de inocência – a qual, como qualquer outro principio, deve, sim, em determinadas circunstâncias, ser relativizado .
É preciso, pois, ter em conta que, assim como o preso individualmente considerado, a sociedade também precisa de proteção, razão pela qual não comete nenhum desatino o magistrado que, diante do criminoso violento e/ou recalcitrante, opte por mantê-lo preso, ainda que provisoriamente, sem que, com isso, atente contra a Constituição Federal, pois, afinal, a mesma Constituição que destaca a presunção de inocência, estabelece que a sociedade tem direito à proteção.
Ademais, não se deve perder de vista que, se o interesse de um cidadão se puser em linha de confronto com outro interesse, um deles deve ser sacrificado, como ocorre com o direito à liberdade e o direito à segurança e proteção da sociedade, sem que isso importe em abespinhamento da ordem jurídica.
À conta de reforço, anoto, forte na lição de Gilmar Mendes, que os direitos fundamentais expressam também um postulado de proteção, já que eles não contêm apenas uma proibição de excesso mas também uma proibição de omissão. Nesse sentido, a proibição de proteção deficiente impõe ao Estado o dever de proteger o individuo contra ataques de terceiros, mediante a adoção de medidas de força.