Não gosto de tratar de questões jurídicas nos meus artigos. É que tenho a pretensão de fazer chegar as minhas reflexões ao maior numero possível de leitores, e é óbvio que, se me limitasse a escrever acerca de questões penais, por exemplo, as minhas crônicas não teriam o alcance por mim pretendido.
Em face dessa pretensão, inobstante, eu não passo ao largo das cobranças, já que muitos são os que me pedem reflexões técnicas, pois querem saber a minha opinião sobre os temas mais atuais em matéria penal.
Em face dessas insistentes cobranças, vou abrir algumas exceções, mas pretendo falar de temas que interessem a todos e que possam despertar no leitor algum interesse em torno da matéria, visto que não pretendo escrever para uma parcela específica da população.
Assim pensando, resolvi fazer algumas ponderações, a propósito do crime de tráfico de drogas, com a pretensão de desmistificar uma falsa verdade que alguns, por esperteza ou malandragem, tentam estabelecer, para alcançar benefícios legais previstos na Lei de Drogas, e em face mesmo da discussão que se faz iminente no STF, a propósito da constitucionalidade do artigo 28 da lei em comento.
Nessa senda, anoto que é um rematado equívoco, por exemplo, pretender que a quantidade de droga apreendida em poder do acusado define, por si só, tratar-se de droga destinada ao uso ou à traficância. Com efeito, é mais do que comum, sempre que alguém é preso, por exemplo, com dois, quatro, oito papelotes de maconha ou duas, quatro, oito pedras de crack, o argumento de que, em face da quantidade da droga apreendida, estar-se-ia defronte de um usuário e não de um traficante, a deslegitimar a manutenção de sua prisão. Na mesma balada, e da mesma forma equivocada, há os que concluem, precipitadamente, que basta a apreensão de uma quantidade expressiva de drogas para que se constate tratar-se o detido, sem maiores questionamentos, de um traficante.
Posso afirmar, para desmistificar, que nem uma coisa nem outra. Tudo depende do contexto da apreensão, tudo depende, depois, dos dados que serão coligidos. Nem a pequena quantidade leva, de logo, à conclusão de que se trata de um usuário, nem uma quantidade expressiva é indicativa de estar-se diante de um traficante, convindo anotar que quando me refiro a quantidade expressiva não me refiro a toneladas de drogas, porque, nesse caso, a inferência lógica é de que se trata mesmo de traficância. Refiro-me, sim, a quantidade relevante, mas que não deixa evidenciado, de logo, à míngua de outros dados, tratar-se de traficância.
Não creio, por exemplo, que um usuário abastado se limite a adquirir pequenas porções de drogas, aventurando-se nas bocas de fumo com regular frequência, razão pela qual o fato de ser apreendida em seu poder uma significativa quantidade de drogas não deve, só por isso, levar à conclusão de que se trata de um traficante, sem que se faça uma análise do fato à luz de outros elementos de prova.
Da mesma forma, o fato de alguém ser preso com 05 (cinco) papelotes de maconha, por exemplo, não leva a concluir, sem a consideração de outros dados, tratar-se de um simples usuário. Tudo, portanto, deve ser aferido à luz do contexto, dos demais elementos de provas coligidos durante a persecução criminal, razão pela qual, tenho reafirmado, em sede de habeas corpus, de cognição rarefeita, não ser possível a emissão de um juízo de valor definitivo acerca da questão, pois que se traduziria numa injustificada precipitação.
É por isso que, em face do contexto, pode-se, sim, conceder liberdade a quem tenha sido preso com uma quantidade expressiva de drogas e, numa aparente contradição, negar o mesmo benefício a quem tenha sido preso com pequena quantidade, pois, repito, tudo depende do contexto, da quadra fática, do histórico do detido e de outros elementos que não podem, por óbvias razões, deixar de ser considerados.
O que quero dizer, em outras palavras, é que, diferente do que possam pensar os que almejam liberdade provisória ou medidas cautelares diversas da prisão à luz apenas da quantidade da droga apreendida, é que a quantidade de drogas, isoladamente, nos conduz, necessariamente, à conclusão de que o detido seja traficante ou usuário de drogas.
É preciso ter presente que nenhum juiz analisa os pleitos de liberdade, em face de crimes desse jaez, levando em conta apenas e tão somente a quantidade da droga apreendida. Logo, é inviável tentar convencer o juiz, ainda na fase preambular da persecução ou em sede de habeas corpus, com cognição rarefeita e não verticalizada, de que tal e qual acusado esteja a merecer a sua liberdade provisória ou qualquer outro favor legis, apenas e tão somente em face da quantidade da droga apreendida, num juízo de pura precipitação.
O que é preciso ter em conta, diante dessas questões, é que a quantidade de drogas não tem o condão de antecipar, por si só, um juízo de valor acerca da tipicidade penal, e que, ademais, para manter uma prisão ou decretá-la, o que importa é a análise, concomitante, de outros dados consolidados nos autos, sem perder de vista, por exemplo, as circunstâncias da apreensão e a história pregressa do acusado.
Diante dessa perspectiva, sempre à luz do contexto, reafirmo que a quantidade de droga apreendida pouco importa para definir o acusado como traficante ou usuário, pois ela, isoladamente, não nos conduz à conclusão acerca da tipicidade penal e o consequente tratamento a ser dispensado ao indiciado.
E que não nos iludamos: não existe, desde a minha compreensão, nenhuma possibilidade de se fixar critérios objetivos para distinção entre traficantes e usuários, convindo anotar, como antecipei acima, que este artigo está sendo redigido na manhã de quinta-feira, dia 13, antes, portanto, do julgamento do habeas corpus manejado em favor do paciente Francisco Benedito de Souza, no qual o Supremo Tribunal Federal debaterá acerca da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas.