Embora tenhamos que admitir que muitas das posições que assumimos não sejam simpáticas para alguns, todos nós esperamos, a despeito disso, ter uma convivência pacífica com o semelhante e, sobretudo, tratando-se de corporações, com os pares, dos quais todos nós esperamos que respeitem as posições e as crenças de cada um, mesmo que sejam antagônicas ao seu pensamento.
De minha parte, devo dizer que, nos dias presentes, o que mais desejo é me relacionar civilizadamente com as pessoas que vivem próximas de mim, muito embora, democraticamente, me reserve o direito de assumir posições discordantes, convindo anotar que, quando assumo posição oposta, não o faço por arrogância, mas por convicção; e, importa realçar, eu não acredito no homem sem convicção, do tipo que vai levando a vida ao sabor das circunstâncias.
Como a esmagadora maioria dos magistrados brasileiros, eu nunca decido pensando em mim ou na obtenção de aplausos; aliás, eu sou avesso a esse tipo de manifestação que, muitas vezes, são apenas oportunistas, as quais me fazem até lembrar de dois personagens de Voltaire, no magistral conto Preto e Branco, Ébano e Protázio, um dos quais insistia em ser simpático ao protagonista Rustan, dizendo-lhe apenas o que ele queria ouvir, enquanto que o outro, mais sincero, o advertia para a realidade, sem se preocupar com a sua reação, ou seja, se ia ou não gostar das verdades que lhe dizia.
Nas minhas relações profissionais, faço questão de consignar, não me apraz o confronto. Abomino, com sofreguidão, as disputas que possam descambar para a deselegância, mas elas ocorrem; infelizmente, elas têm que ocorrer.
Mas, é preciso convir, aquele que discorda de mim não é meu inimigo, mas parceiro na construção de uma ideia, de uma decisão, já que somos uma sociedade marcadamente plural.
Somos julgadores, tenho dito, mas não somos máquinas; por isso, algumas vezes, nos incomodam as posições de alguns colegas. Mas as coisas devem funcionar assim mesmo, pois nenhum magistrado, por mais que sua arrogância lhe perturbe a visão, pode se imaginar liberto de suas memórias, dos seus desejos, do seu inconsciente, de sua ideologia, enfim. Existem até os que não conseguem se desvencilhar de suas amizades e, em face delas, vão por ai prolatando decisões, às vezes esquisitas, mas ao agrado das pessoas que eles prezam.
Dessa elementar constatação resulta que, nas nossas relações e nos nossos julgamentos, haverá sempre uma dose relevante – às vezes decisiva – de subjetividade; do tipo que, algumas vezes, entra em choque com a subjetividade de outrem, disso resultando que, às vezes e por isso, as discussões saem do campo do direito para fazer uma conversão perigosa na direção do mundo idiossincrásico de cada um de nós.
Todavia, deve-se compreender que, quando isso ocorre, não se trata, necessariamente, de uma questão pessoal. Temos mesmo que, em certas circunstâncias, partir para o confronto, que se almeja, inobstante, seja apenas no campo das ideais.
De toda sorte, nem a mim nem a ninguém apraz concordar para ser simpático, pois que isso significaria fazer cortesia com direito alheio; além disso, nada pode causar maior dano aos litigantes do que a ação do juiz que, para ser simpático e amigo, faz cortesia com o direito em disputa.
É bem de ser ver, portanto, que as divergências, antes de provocar a ira de alguém, devem ser estimuladas, pois, é a partir delas, que nascem as grandes decisões. Eu não acredito em decisão colegiada, na qual os protagonistas se limitam a seguir acriticamente o relator, pois que, assim agindo, restará maculado o principio do colegiado.
É preciso, sim, ouvir o colega, se debruçar sobre as suas reflexões, penetrar na essência das suas ideais, discutir com enlevo e altivez, reconhecer, se for o caso, quando ele estiver certo, seguir, enfim, as suas posições, se esse for o caminho mais correto.
O juiz deve mesmo ter o senso critico aguçado, atilado; deve estar preparado, com as armas do conhecimento, para o bom combate. Mas não deve fazê-lo apenas para satisfazer ao seu ego, sem conteúdo e sem preparo intelectual; preparo que deve ser perseguido, obstinadamente, antes, durante e depois dos julgamentos, para qualificar o debate.
O que o juiz não pode, desde a minha visão, é ser populista; e populista não sou, conquanto tenha convicção de que as minhas posições, nas diversas crônicas por mim publicadas, encontram ressonância junto à população, que pouco crê nas instituições e muito menos ainda nos homens públicos do nosso país.
Para concluir, convém anotar, para reafirmar a inevitabilidade do confronto no campo das idéias, que o Direito não é filho dos céus (Tobias Barreto), mas produto cultural da humanidade, ou seja, é algo socialmente construído pela via do debate, da força dos argumentos.
De relevo advertir, ademais, que o juiz não tem que ser um sujeito representativo, posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo, daí a isenção e a força que devam presidir a defesa dos seus pontos de vista.
Por fim, cumpre consignar que a atuação do juiz não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais, para cujo desiderato ele, por vezes, agrada e desagrada, acerta e erra, o que se compreende em razão da sua condição de ser humano.