É preciso assumir posições com clareza

tjmaUma das maiores dificuldades que vislumbro nas relações que travamos com o semelhante, sejam colegas, amigos, filhos ou mesmo consorte, são as incompreensões, a nossa incapacidade de compreender e de ser compreendidos.

Nesse cenário, não é rara uma desinteligência em face de uma incompreensão, que pode, dependendo da relevância, levar a relação ao paroxismo, disso resultando a reafirmação do óbvio, ou seja, de que, nas nossas relações precisamos ser tolerantes e compreensíveis.

A verdade é que, fácil constatar, as pessoas não conseguem, definitivamente, compreender as outras – por má-fé, maldade ou incapacidade mesmo, incapacidade que, desde o meu olhar, é muito mais significativa quando se tratam das relações que se travam no âmbito das corporações, porque nelas parece não existir predisposição para a compreensão.

Mas as incompreensões, nessa perspectiva, são, até, irrelevantes, se levarmos em conta que, nessas mesmas agremiações, ao lado delas (das incompreensões), competindo com a mesma tenacidade, viceja, com efeitos muito mais danosos, o mais deletério e nefasto de todos os sentimentos que é a inveja, sentimento menor que, claro, só impregna a alma despossuída de amor e de senso de companheirismo, mas que não é objeto dessas reflexões, pois que sobre ela já refleti em outras oportunidades.

Todavia não custa reafirmar, por ser oportuno, que a incompreensão, desde o meu campo de observação, decorre da cegueira de algumas pessoas, exatamente porque impregnadas desse sentimento menor e danoso chamado inveja, que tantos malefícios trazem às relações e ao desenvolvimento dos próprios trabalhos dos que se predispõem a entrar nessa luta fratricida de disputa de egos.

Mas eu dizia que as pessoas têm uma proverbial “incapacidade” de compreender o semelhante, cuja incompreensão, muitas vezes, decorre mesmo das tentativas do próprio interlocutor de dificultar o entendimento, por interesses muitas vezes inconfessáveis, como se faz, por exemplo, no mundo da política, quando se diz uma coisa pretendendo dizer outra, exatamente para dificultar a compreensão, para não assumir compromisso, para não ser cobrado depois.

O certo e recerto é que, nas relações que desenvolvemos com o semelhante em sociedade, o ideal mesmo era que não se tergiversasse, que se falasse às claras, sem titubeio, sem meias palavras, objetivamente, claramente, de modo que todos entendessem a mensagem que se pretende seja assimilada.

Se é verdade, como antecipei algures, que temos dificuldades enormes de compreender o semelhante – e aqui me refiro aos que não fazem do subterfúgio uma arma -, maiores serão as dificuldades se o semelhante é daqueles de personalidade marcadamente dissimulada, que não dizem coisa com coisa, que afirmam negando e que negam afirmando, o fazendo por via obliqua, sinuosamente, sem expor com clareza as suas ideais, objetivando exatamente confundir, dificultar a absorção da mensagem, com receio do compromisso, de empenhar a palavra.

Só para ilustrar, lembro que, antes da desfecho da revolução de 30, Getúlio Vargas, aluno dileto da escola do caudilho Borges de Medeiros, dissimuladamente, fazia juras de fidelidade eterna a Washington Luis, então presidente da República, de quem tinha sido ministro da fazenda, enquanto que João Neves, por sua determinação, por trás, prosseguia costurando a aproximação com Minas Gerais, dificultando, assim, a real compreensão de sua posição política, que só terminou por se revelar com o desfecho da Revolução que o levou à presidência da República, cumprindo destacar que, quando insinuado o flerte com Minas, João Neves se limitou a dizer que o Rio Grande tinha olhos para todos os lados, à direita e à esquerda, como o fazem os jacarés.

Quando sondado por Chatô sobre a possibilidade de um candidato do Rio Grande do Sul, terceira força eleitoral do país à época, para se contrapor ao candidato de Washington Luis, no caso Júlio Prestes, Getúlio encarregou o oficial de gabinete a providenciar uma resposta imediata. Mas advertiu: era preciso mostrar-se receptivo à ideia de um acordo com Minas, para não denotar desprezo pelo caso, mas também seria temerário demonstrar entusiasmo excessivo, afim de não transparecer avidez pessoal. É dizer: era preciso, segundo orientação de Getúlio, não se fazer entender, não ser compreendido, pois, afinal, no mundo da política, o que, muitas vezes, é até justificável, é assim mesmo que as coisas funcionam.

Mas no mundo do simples mortais as coisas deveriam fluir de outra forma. É preciso ter clareza nas ideais. É preciso ter ciência que nas relações pessoais não se pode viver de tergiversações, de aparências, a partir de frases dúbias, feitas para não ser entendidas, pois isso pode denotar uma esperteza que não se coaduna com o que se espera nas relações das pessoas que se amam e que se prezam.

É chato, é horrível, enfadonho, desgastante, a gente conviver com o semelhante sem perceber nele clareza de posições, objetividade nas colocações, firmeza e determinação, capacidade, enfim, de se fazer compreender.
Tenho procurado ser claro, objetivo e direto nas minhas reflexões. O mundo já não comporta tanta dissimulação. Ninguém gosta do dissimulado, do que não tem posição, de quem não se pode crer no que diz.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “É preciso assumir posições com clareza”

  1. Prezado Desembargador, eu há muito estava querendo encontra-lo para parabenizá-lo por um artigo que escreveu sobre o tema IGUALADOS PELA DOR. Eu gostei tanto dessa reflexão que salvei em meus arquivos. E tive curiosidade em saber mais sobre seus escritos, na época estava como juiz da 7ª Vra Criminal do Maranhão.
    Que bom que o encontrei para dizer-lhe que admirável é o homem que reflete sobre a realidade que o rodeia, que discerne e transcede a sua forma de ver o mundo, nao só para expressar e dizer coisas que agradam, mas para despertar e fazer acordar para a vida.

    Maria do Carmo Souza dos Santos

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