Não se deve iludir o povo com falsas pregações

imagesTodos têm conhecimento das tentativas de flexibilização do Estatuto do Desarmamento que estão em curso no Congresso Nacional, sob o argumento, dentre outros, de que, em face do quadro de violência que se descortina sob os nossos olhos, o prudente, o correto mesmo é armar a população para que ela, pelos seus próprios meios, cuide de sua defesa, o que, adianto, é um rematado equívoco, como demonstrarei a seguir, o fazendo apenas sob uma perspectiva, já que é inviável, num pequeno espaço, esgrimir todas as razões pelas quais entendo que não se deva armar a população.

Antes convém anotar que nos Estados Unidos, maior democracia do mundo, país onde as desigualdades sociais são infinitamente inferiores ao Brasil e onde o Estado se faz presente na vida do cidadão com muito mais proficiência, o presidente Barack Obama lidera um movimento, no seu último ano de governo, visando exatamente o oposto do que se pretende no Brasil, ou seja, ampliar ainda mais o controle sobre a venda de armas.

O controle, no caso americano, busca, precipuamente, a ampliação das exigências de licença para vendedores e maiores exigências para os compradores, o que pode parecer, numa primeira análise, um contra-senso, num país cuja Constituição garante a todos os cidadãos o direito de ter armas.

Mas eu antecipei acima que armar a população, desde a minha percepção, fruto da minha longa experiência na área criminal, quer como promotor de justiça, quer como magistrado, não é o caminho, não é a panacéia que alguns oportunistas tentam vender aos descrentes e ávidos pela solução mágica dos seus problemas, sobretudo no que diz respeito à violência.

A verdade é que o cidadão armado pode, até, se sentir confortável psicologicamente, imaginando poder, estando de posse de uma arma de fogo, reagir com eficácia em face de uma agressão iminente ou atual a bem jurídico seu ou de outrem, o que, desde o meu ponto de observação, é uma visão equivocada, de quem conhece minimamente os abalos psicológicos que decorrem de um quadro dessa envergadura.

Explico.

Quando se trata de criminalidade, de violência, enfim, há alguns aspectos – não exaustivamente esgrimidos nessas breves reflexões – que não podem ser descurados quando se projeta, por exemplo, a perspectiva de flexibilizar o uso de arma de fogo, daí a minha convicção de que é falsa a pregação de que, estando armado, tal qual o meliante, o cidadão de bem terá reais condições de por si só enfrentar a violência, suprindo, assim, a omissão do Estado.

As coisas não são tão simples assim. Quando se busca analisar questões desse jaez, não se pode perder de vista aspectos relevantes que estão em seu entorno, questões que subjazem e que são propositadamente esquecidas, mas que não podem ser abespinhadas, porque vão muito além dos interesses puramente comerciais.

É que, diferente do assaltante, para destacar o crime (roubo) que mais nos aflige no dia a dia, nenhum cidadão de bem sai de casa disposto a matar ou morrer; e isso faz toda a diferença no momento da ação e da reação.

Nos corações e mentes do cidadão de bem, daquele que sai, por exemplo, para levar seu filho à escola, não está sedimentado o sentimento de defesa ou de ataque, para os quais devemos estar preparados psicologicamente. É como, guardadas as particularidades, colocar um soldado no campo de batalha sem ter sido antes treinado para a guerra.

É bobagem, falácia, engodo, irresponsabilidade armar a população para uma guerra para a qual ela não está preparada.

Não é dessa forma, definitivamente, que se enfrenta a violência.

É preciso parar de enganar as pessoas.

Armar a população, definitivamente, não é a solução. É muito bom para o comércio de armas. Mas é péssimo para o cidadão, que, mais uma vez, está-se deixando levar por uma propaganda enganosa, suscetível que está em face da violência que bate à sua porta.

É necessário ter presente que quem sai para assaltar, com emprego de arma fogo, por exemplo, o faz disposto a matar ou morrer, o que, convenhamos, é muito, mas muito diferente mesmo, de quem sai para trabalhar, para levar a mãe ou o pai ao médico ou o filho para escola.

Esse estado psicológico, não nos iludamos, faz toda diferença. Por isso é relevante que se pense essas questões antes de se liberar o uso de arma.

Nenhum de nós, como regra, está preparado para reagir a um assalto, por isso a quase totalidade dos que reagem sucumbe.
Definitivamente, quem tem que se armar contra o crime não é o cidadão. Quem deve se arma e combater a criminalidade é o Estado. Amar a população é o mesmo que iludi-la, transferir a ela uma responsabilidade que não é sua.

Experimente, estando armado, a reagir a um assalto. Enquanto tendemos a nos acovardar, diante de um criminoso, também armado, mas desenvolto porque preparado psicologicamente para o embate, ele, de seu turno, tende a agir, como sói ocorrer, com frieza e discernimento diante da situação.

É claro que, na população, há exceções. Há, sim, os que estão preparados para o exercício da autodefesa. Mas são exceções que confirmam a regra.

Por tudo isso, armar a população é um despautério, uma irresponsabilidade. É, mais uma vez, iludi-la, dando a ela a falsa percepção de poder exercer a sua defesa física em face da criminalidade, o que só ocorre excepcionalmente, daí o sentido da obrigação afeta ao Estado de cuidar da nossa integridade física.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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