UMA CRIANÇA FELIZ; UM ADULTO MAL-HUMORADO

No dia 07 de outubro do ano passado, eu retornava de Brasília, DF, no voo nº JJ3552, assento 01C, no chamado assento +, da TAM, hoje LATAM, depois de ter participado da II Conferência Nacional de Mediação e Conciliação, nos dias 05 e 06 de outubro do corrente passado, na sede do Tribunal Superior do Trabalho.

Na fileira 02, lado oposto, assento D, havia uma senhora loira, de 25 a 30 anos, com uma criança morena, de cerca de 2 anos, que, percebi logo, era sua filha. Essa criança, certamente muito saudável, deslumbrada com o ambiente, corria e gritava muito. Era só alegria. Chamava a atenção de todos com os seus gritos estridentes, os quais, decerto, podem ter causado algum desconforto aos ouvidos mais sensíveis.

Pelo fato de eu gostar muito criança, comecei a me divertir com a alegria da garotinha, pouco me importando com os seus gritos, pois, afinal, ver uma criança feliz é um alento, tanto que parei de ler para curti-la

A comissária de bordo, contagiada pela alegria da criança, começou a fazer acenos para ela, o que açulou ainda mais a sua desenvoltura, a sua contagiante alegria. Nesse sentido, corria até determinada parte da aeronave, para, em seguida, voltar em desabalada carreira, gritando, claro.

Eu observava os demais passageiros e percebia que a maioria parecia se divertir com a alegria da criança, que não estava nem aí para o mundo, ou melhor, fechado no seu mundo – o mundo de criança, o melhor dos mundos -, apenas se divertia, pouco se importando com o mau humor dos adultos.

Na minha avaliação, ela, de rigor, apesar da estridência dos gritos, não incomodava ninguém, sobretudo os dotados de alguma sensibilidade. Afinal, poucas coisas no mundo podem ser comparadas ao sorriso de uma criança.

Mas a mãe da criança, apesar de não se tratar de uma situação preocupante – e nem vexatória, pelo menos para os meus olhos -, pois se tratava apenas de uma criança feliz, mostrou-se preocupada com a situação, parecendo até um pouco constrangida com a algazarra que fazia a sua filha; uma criança linda, que tive vontade de colocar no colo e compartilhar com ela a sua alegria.

Preocupada, como anotado acima, a genitora da criança a chamava a toda hora, tentando controlar os seus ímpetos. Debalde, no entanto. Parecia que quando mais pedia para a criança parar, mais ela se divertia com o inusitado do ambiente.

Eu, que observava tudo com razoável atenção, quando percebi que a criança me olhou, esbocei um sorriso em sua direção, tentando ser simpático. Acho que ela entendeu esse meu sorriso como uma autorização para continuar as suas traquinices, próprias de criança saudável, ainda que, repito, sua mãe tentasse a todo custo colocar um basta nas suas estripulias.

Mas o que parecia ser normal para a grande maioria, incomodava, sobremaneira, um passageiro mau humorado que estava no ambiente; pelo menos, foi o único que se manifestou, como vou narrar a seguir.

Pois bem. Da poltrona que se seguia à minha, fila dois, poltrona B, uma pessoa do sexo masculino, incomodada com os gritos da criança, dirigiu-se à mãe dela e lhe disse sem meias palavras, indelicadamente, grosseiramente, deselegantemente:

-Se ela dessa idade não lhe obedece, espere para ver quando ela crescer.

A mãe da criança, estupefata com aquela manifestação – estupefação que, imagino, não foi só dela – olhou para ele com ar de indignação, visivelmente constrangida, mas controlada e educadamente, limitando-se a dizer-lhe:

-Moço, ela é apenas uma criança de dois anos.

O diálogo ficou aí. Mas o constrangimento foi percebido por todos. Eu mesmo fiquei extremamente agastado.

Incomodada, a mãe pediu à comissária que lhe trocasse de lugar, uma vez que, definitivamente, não tinha condições de ficar onde estava, muito próxima do indelicado passageiro, que não soube compreender o que significa para a vida uma criança feliz; quiçá porque ele próprio não seja uma pessoa feliz.

Distante, lá atrás, a criança, como que sentindo o constrangimento pelo qual passara a sua mãe, calou-se o resto do voo; pelo menos eu não ouvi mais os seus gritos. Dessa forma, o cidadão infeliz me privou o voo inteiro de curtir o prazer de ver uma criança feliz.

Assim como tudo na vida, esse acontecimento que testemunhei, e outros tantos que tenho testemunhado, me remetem a uma indagação que tenho feito a vida inteira: será que as pessoas têm o direito de, a qualquer hora, em qualquer lugar, em qualquer circunstância, dizer tudo o que pensam, sem medir as consequências da sua ação?

Não é de hoje, repito, que reflito sobre essas questões, pois, todas as vezes que eu falei sem pensar, que me deixei levar pela emoção, que não refleti antes, me arrependi do que disse, mesmo porque as consequências do que dizemos e fazemos não se medem apenas pelas nossas impressões; as sequelas e a repercussão, em face do que dizemos dependem,  quase sempre, da pessoa para a qual dirigimos as nossas palavras.

Diante dessa constatação, o ideal mesmo é pensar antes sobre o que pretendemos dizer, para não ter que ferir suscetibilidade, pois, definitivamente, nós não podemos, sejam quais forem as circunstâncias, dizer tudo o que pensamos sobre alguém, a menos que sejamos do tipo “num tô nem ai”.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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