A TENDÊNCIA DO SER HUMANO É ACREDITAR

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“[..]Haverá quem diga: é só saber escolher. Mas quem diz isso desconhece a realidade das eleições. Não é assim que as coisas funcionam. De rigor, nos bolsões de miséria, que é aonde se decidem as eleições, o eleitor não tem independência, não vota por convicção, não escolhe, não elege; ele é levado pelas circunstâncias, vota de acordo com os comandos dos cabos eleitorais, que compram a sua consciência e transferem o seu voto a quem paga mais[…]”.

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“Ao longo do tempo, no correr das gerações, o mais eficaz pode ter sido isto: por via das dúvidas, acredite” (Trecho de: McEwan, Ian. “Sábado.” Companhia das Letras. eBooks).

É partir desse fragmento do romance do grande escritor britânico Ian McEwan que pretendo desenvolver o tema que elegi para esse artigo, como o farei a seguir.

Dizem que a tendência do ser humano é acreditar. E é mesmo! Sempre foi assim. Tem sido assim, e assim o será. É preciso acreditar sempre. Difícil viver ser acreditar. Tendemos, por isso mesmo, nos conduzir a partir da nossa crença até aonde é possível. Só depois de frustradas as nossas expectativas, é que tendemos desacreditar. Mas até chegar lá já percorremos um longo caminho, muitas foram as frustrações e os desalentos que deixamos para trás.

O certo mesmo é que é preciso crer, é precisar ter fé. Nessa perspectiva, é curial convir que, no mundo em que vivemos, só mesmo crendo, só mesmo com muita fé – e muita resignação – a gente consegue viver um pouco melhor.

Nesse panorama, importa assinalar, somos presas fáceis dos espertalhões, espertalhões que estão por aí, em todos os lugares, tirando proveito das nossas crenças, das nossas fragilidades, da nossa capacidade ilimitada de acreditar.

Mas, ainda assim, mesmo diante de tantos dissabores, de tanta desilusão, de tantas mentiras, de tanto engodo, sobretudo protagonizados por aqueles para os quais conferimos uma outorga para nos representar, é preciso acreditar, perseverar na crença, ainda que nos frustremos, a todo instante, em face da ação dos vendedores de ilusão, os mesmos que roubam os nossos sonhos e sobre os quais já falei em outras oportunidades.

Ainda que reconheça que é preciso acreditar, não me acanho de indagar, paradoxalmente, como acreditar em face de tantos desvios de conduta, exatamente daqueles que conferimos poderes para nos representar e que deveriam ter uma conduta irrepreensível, mas que, diferente do que se espera e crer, têm as suas vistas, as suas ações voltadas apenas para os próprios interesses?

Contraditoriamente, insisto em indagar, como continuar acreditando se vemos diante dos nossos olhos uma gravíssima deformação moral dos nossos representantes, os quais deveriam, ao reverso, pautar as suas ações pela retidão de caráter, pela postura moral libada e retilínea, mas que agem sem nenhum controle moral, a começar pelas promessas mentirosas e despudoradas s com as quais se elegem, para, uma vez no poder,  cuidarem apenas dos seus próprios interesses?

Como continuar acreditando num pais no qual o juiz que revoluciona a nossa história é chamado, por manifestantes irresponsáveis, de canalha, exatamente por ter tido a coragem, que nenhum outro teve na nossa história, de punir os desvios de conduta dos agentes públicos e empresários os quais enriqueceram subtraindo do povo o dinheiro que deveria ter sido destinado para fins humanitários?

Como acreditar tendo de conviver com os que, não sendo canalhas, não têm nenhuma capacidade de discernimento, mas que, apaixonadamente, desfraldam a bandeira da iniquidade na tentativa de descreditar aquele que, não sendo herói, promove uma verdadeira revolução nos costumes políticos do nosso país, punindo exemplarmente muitos que, ao longo da nossa história, sempre passaram ao largo das instâncias persecutórias, sob o escudo protetor do poder que ostentam?

Como persistir acreditando se, a cada dez notícias veiculadas sobre falcatruas, em nove delas estão envolvidos os nossos representantes?

Como acreditar se, por mais que sejam desonestos os nossos representantes, são eles que continuam dando as cartas, são eles que têm prestigio, são eles que legislam, são eles que comandam os nossos destinos, são eles que mantém os chefes dos executivos reféns de suas vontades?

Haverá quem diga: é só saber escolher. Mas quem diz isso desconhece a realidade das eleições. Não é assim que as coisas funcionam. De rigor, nos bolsões de miséria, que é aonde se decidem as eleições, o eleitor não tem independência, não vota por convicção, não escolhe, não elege; ele é levado pelas circunstâncias, vota de acordo com os comandos dos cabos eleitorais, que compram a sua consciência e transferem o seu voto a quem paga mais.

Em face desse quadro fica difícil continuar acreditando. Desde a minha mais tenra idade que ouço dizer que as coisas estão mudando, sem nunca mudarem. E quando aparece um magistrado corajoso para mudar o quadro, as paixões políticas e o sectarismo trabalham para desacreditá-lo. E parte do povo, como gado, vai junto. Passa a crer no que não devia acreditar, pela necessidade que todos temos de continuar acreditando, com a esperança de que um dia as coisas possa mudar, definitivamente, pois, afinal, como diz Ernest Hemingway, em o Velho e o Mar,  é pecado não ter esperança.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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