SENHOR DO MEU DESTINO

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“[…]Devo dizer, nessa linha de pensar, que, não fosse a minha determinação de mudar o caminho que, aparentemente, já estava traçada para mim, muito provavelmente eu não seria o que sou hoje, e, muito provavelmente também, estaria trabalhando na lavoura, cuidando da terra, como, afinal, foi o destino dos que, como eu, nasceram e se criaram convivendo com o campo[…]”

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Sócrates ensinou que uma vida irrefletida não vale a pena ser vivida. Em Fédon ele diz que uma vida irrefletida leva a alma a ficar “confusa e aturdida, como se estivesse bêbada”, enquanto uma alma sábia alcança a estabilidade e seu vagar chega ao fim.

Nessa linha de compreensão, teimo em levar uma vida reflexiva, mesmo diante da óbvia constatação de que, não raro, o resultado das minhas reflexões pode não ser muito palatável, o que, para mim, não é nenhum óbice a impedir a minha contínua vida de reflexão.

Assim determinado, começo essas reflexões com uma indagação inquietante: O homem tem o poder de mudar o seu destino? Ou é verdade que cada a uma já nasce com o seu destino definido, cabendo a cada um de nós apenas aguardar que o tempo fluo, na certeza de que a projeção do nosso futuro já está definida?

Muitas vezes ouvir, diante de um infortúnio, de um tropeço ou de uma derrocada, as pessoas costumam dizer na tentativa de dar conforto às vítimas das desditas, que foi o destino que assim o quis, como que reafirmando que, em face dele, somos impotentes, só nos restando mesmo a conformação.

Claro que a incursão em torno desse tema exigiria de mim, de rigor, um conhecimento que não tenho, uma profundidade de análise que não sou capaz de fazer. Compreendo, no entanto, que, apesar das minhas limitações intelectuais, posso, sim, refletir sobre a questão como qualquer pessoa minimamente racional pode fazê-lo, pois, afinal, o objetivo mesmo é só pensar, exercer o direito de dizer o que penso e sinto ante os mais diversos acontecimentos que permeiam a minha vida, sem nenhuma outra pretensão que não seja desnudar a minha alma, me expor ao julgamento daqueles que se aventuram ler as coisas que escrevo.

A propósito do tema em comento, devo dizer que, segundo a minha percepção, fruto apenas da minha experiência de vida, em face de tudo que já testemunhei ao longo da minha provecta existência, que, naquilo que depende só de nós, nós somos, sim, os únicos responsáveis pelo nosso, digamos, destino.

Devo dizer, nessa linha de pensar, que, não fosse a minha determinação de mudar o caminho que, aparentemente, já estava traçada para mim, muito provavelmente eu não seria o que sou hoje, e, muito provavelmente também, estaria trabalhando na lavoura, cuidando da terra, como, afinal, foi o destino dos que, como eu, nasceram e se criaram convivendo com o campo.

Mas eu decidi que não era isso que eu queria, e, nesse afã, aproveitei as oportunidades que se apresentaram na minha vida, sempre com muita tenacidade, e com convicção de que meu mundo deveria ir muito além do campo e da roça.

Nesse afã, cuidei de mudar a direção, cuidei de pavimentar o caminho noutro rumo, tendo alcançado, pelas forças da minha determinação, os meus reais objetivos, mesmo quando tudo parecia conspirar contra, face as enormes dificuldades pelas quais passei, depois que o nosso provedor optou por nos abandonar.

Posso dizer, então, que, no que dependeu da minha vontade, eu mudei a minha rota, contribuindo, decisivamente, para construção da minha história, que poderia, sim, ter sido diferente, se eu permanecesse “com a boca escancarada e cheia de dentes, esperando a morte chegar”, como narrou Raul Seixas.

Tenho convicção, em face mesmo de tudo que vivi e testemunhei, que o mesmo não se dá quando deixamos a vida nos levar, sem fazer nenhum esforço para mudar o rumo dos acontecimentos. Nesse caso, o destino de cada um termina sendo traçado pelos outros, pelas forças exteriores que não sejamos capazes de enfrentar – por medo, covardia ou acomodação.

Aquele que, diante das dificuldades da vida, prefere se acomodar e deixar acontecer, aí sim, acaba sendo levado pela correnteza da vida como um barco sem comando enfrentando uma tempestade. E isso ocorre porque não foi capaz de segurar as rédeas da sua história.

Aquele que não assume o comanda da sua vida, da sua história, que fraqueja e sucumbe diante do infortúnio, não é, definitivamente, o senhor do seu destino, razão pela qual só lhe resta mesmo assumir, conformado, que “foi  destino foi quem quis assim”, quando, na realidade, ele próprio foi quem se omitiu, se negando a sair da zona de conforto que poderia mudar a direção da sua vida, perspectiva em face da qual as portas do mundo se abrem ou se fecham, dependendo da força e da determinação de cada um.

Para ilustrar e roborar o que digo, anoto que o genial Nelson Cavaquinho (que tocava mesmo era violão), era do tipo que deixava a vida seguir o seu fluxo, que não lutava para mudar a rota, que se deixou levar sem mover uma palha para mudar a direção. Era do tipo que, diferente de muitos, não se aproximava das pessoas que não fosse por afeto. Nenhum interesse que não fosse o prazer da convivência o movia. Deixou acontecer. Ele nunca forçava a barra. Deixava os acontecimentos fluírem. Com essa conduta, traçou o seu próprio destino porque não se empenhou em modificar o curso dos acontecimentos. Era, portanto, do tipo acomodado que, apesar da genialidade, não tirou proveito material da sua criatividade, porque preferiu que fosse assim, se acomodou com a situação, não fez questão de pavimentar o caminho que o levaria noutra direção.

É claro que, por vezes, nem tudo depende só da boa vontade de cada um, da determinação de cada um. Às vezes uma boa dose de sorte ajuda muito. Contudo, devo alertar, tomando de empréstimo as lições do poeta popular, que “não adianta um pé de coelho no bolso traseiro, nem mesmo a tal ferradura suspensa atrás da porta ou um astral bem maior que o da noite passada, pois toda sorte tem quem acredita nela”. (Fernando Mendes).

Digo mais, agora inspirado, ao reverso, em Mia Couto (Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, editora Companhia das Letras), que não devemos nos deixar levar pela desesperança, achando que tudo é destino e que contra o que está escrito nada podemos fazer, pois tenho testemunhado não ser verdadeira a afirmação de que a vantagem de pobre é saber esperar, e esperar sem esperança, pois não foram poucos os que, lutando com todas as dificuldades propiciadas pela vida, ainda assim venceram, afinal, com disposição e fé, somos, sim, os senhores do nosso destino ou, pelo menos, devemos tentar assumir o comando dele”.

É isso.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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