CATARSE

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“[…]Logo, é preciso reconhecer que o grito intempestivo, a encenação e a postura beligerante não resolvem. E exatamente por isso, mantenho o equilíbrio em face de uma agressão e não saio da linha, principalmente, quando isso acontece no meu ambiente de trabalho, onde me imponho maior equilíbrio ainda e mantenho a calma, em respeito à liturgia do cargo, postura que se exige, sobretudo, de um magistrado[…]”

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Tenho certeza de que amadureci muito nos últimos anos. Digo melhor: amadureci mais ainda. Como se não bastasse, também pude descobrir que não é só a idade que nos faz amadurecer, uma vez que isso está totalmente associado ato de querer ou não. Se fosse apenas pela idade, todos seriam maduros. Contudo, não é isso o que vejo, quando me deparo com pessoas que, definitivamente, passe o tempo que passar, não amadurecem. Basta olhar em volta.

No meu atual momento de vida, não é qualquer descortesia ou atitude grosseira que me tira do sério, pois o meu objetivo de vida é a relação pacífica e cortês, por isso, na maioria das vezes, tendo estado imune às provocações.

Anoto, nesse sentido, que tendo amadurecido mais ainda nos últimos anos, em face das lições que assimilei da convivência num órgão colegiado, estou sempre preparado para, se for o caso, ceder, contemporizar, transigir, compor, a suportar calado as provocações, a contar até cem antes de reagir. É que o confronto não me apraz nessa fase da minha vida. Por isso, suporto com resignação e equilíbrio eventuais grosserias que são feitas a mim, as injustiças que penso estar sofrendo, tanto que ninguém nunca testemunhou uma reação intempestiva da minha parte durante as reuniões coletivas dos órgãos julgadores dos quais faço parte.

Mas, como todos sabem e testemunharam, nem sempre foi assim, já que em épocas passadas, agressões disparadas contra mim receberiam a resposta correspondente. Não tinha essa de levar desaforo para casa. Hoje, levo-os todos, sem me deixar contaminar, sem reagir, tudo com muito equilíbrio como se espera de um magistrado.

Nos dias presentes, como diz Ferreira Gullar, em artigo publicado na  Folha de São Paulo, “eu não quero ter razão, eu quero mesmo é ser feliz”. Mas para ser feliz, verdadeiramente, como eu sou, tem-se que passar por uma espécie de purificação, de limpeza da alma. As almas impuras são quase sempre agressivas, descorteses, mal-educadas, desrespeitosas. Dessas eu procuro manter distância.

Definitivamente, nos dias presentes, não passo recibo à grosseria.  Não dou atenção à discórdia, conquanto abomine, sim, a falta de postura, de educação, o murro na mesa, a voz alguns decibéis acima do que recomenda a boa educação.

Pensando assim, não acho elegante, vejo com especial comiseração, a postura dos que almejam impor o seu ponto de vista na marra, sem lucidez, sem equilíbrio, precipitadamente, açodadamente, na marra, no grito, no escândalo que a todos nós nos constrangem.

Tenho dito às pessoas mais próximas que argumentos devem ser contrapostos com argumentos e que “contra todos os expedientes da arte e da intriga, vale mais, modesta e obscuramente, ter-se razão” (Calamandrei).

Logo, é preciso reconhecer que o grito intempestivo, a encenação e a postura beligerante não resolvem. E exatamente por isso, mantenho o equilíbrio em face de uma agressão e não saio da linha, principalmente, quando isso acontece no meu ambiente de trabalho, onde me imponho maior equilíbrio ainda e mantenho a calma, em respeito à liturgia do cargo, postura que se exige, sobretudo, de um magistrado,

Ao longo dos anos, tenho me libertado dos pensamentos negativos, em face de um exercício continuo de autoanálise, razão pela qual imagino estar passando por verdadeira catarse, a me fazer melhor como gente, como cidadão e como profissional a cada dia, a cada momento.

Tenho, nessa auspiciosa fase da minha vida, me libertado dos sentimentos mesquinhos e das emoções reprimidas. Daí por que vivo uma prazerosa e indescritível sensação de alivio e de pacificação comigo mesmo e com o mundo ao meu redor. Em face dessa libertação, tenho afastado de mim, com muita sofreguidão, os maus sentimentos.

Dessa forma, mesmo quando me sinto agredido, sobretudo quando concluo desnecessária a agressão, quando percebo alguma reação que julgo descabida em relação a minha pessoa, procuro, com equilíbrio, administrar as adversidades, em tributo à minha felicidade, posto que, afinal, é o que importa mesmo, definitivamente. Ademais, para ser feliz como sou, só mesmo me libertando dos maus sentimentos e me prevenindo das maledicências do mundo.

Provocações?  Elas vêm, batem no meu peito mas resvalam como uma bala em obstáculo sólido. Depois, voltam, sim, como um petardo disparado pela minha alma, no coração dos que não sabem controlar os seus impulsos.

Por isso, mesmo já tendo convivido com perturbações psíquicas, com o medo, com traumas e com a sensação de estar oprimido, hoje tenho a sensação de que me curei disso tudo. Daí a certeza de que sou feliz, que é, afinal, tudo o que almejo, pois a mim não perturba nenhum tipo de ambição material que não seja somente aquilo que posso adquirir com o que ganho honestamente.

Poderia dizer, com algum exagero, inspirado, intenso em Zeca Pagodinho, que no atual estágio da minha vida, só posso levantar as mãos pro céu, agradecer e ser fiel ao destino que Deus me deu, pois, se não tenho tudo o que preciso, com o que tenho vivo, e de mansinho lá vou eu.

Assim agindo, repito, vou purificando a minha alma, defenestrando as minhas neuroses, administrando, quando necessário, as neuroses do semelhante, seguindo a minha vida, libertando-me dos sentimentos malsãs, deixando fluir as emoções que antes reprimia, pacificando e aliviando o meu espírito das sensações que possam me infelicitar.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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