ESTUPIDEZ

Segundo Alexandre Dumas, “a diferença entre estupidez e genialidade consiste em que a genialidade tem seus limites”.
Pois bem. É sobre a estupidez do homem, que parece não ter limites, que pretendo refletir, aqui e agora, lembrando que o economista e historiador italiano Carlo Cipolla, citado por Alysson Augusto, editor do site o Ano Zero, tentou responder de forma abrangente a natureza da estupidez, para chegar à conclusão de que ela em si mesma é muito mais perigosa do que geralmente pensamos. E pode ser, sim, como vou tentar mostrar nesse artigo.
Devo dizer, inicialmente, que a estupidez é um dado complicador nas relações que estabelecemos com o semelhante, devido ao perigo que pode trazer, dependendo do grau de estultice do ser humano.
A verdade é que os excessos decorrentes da estupidez do homem – e nem falo de guerras, a suprema estupidez – tornam fastidiosos, demasiados, provocativos e perigosos os relacionamentos que temos com o semelhante. Daí por que, não raro, nos envolvemos em desinteligências que poderiam ser evitadas, não fôssemos nós todos néscios, em certa medida.
Logo, é preciso ter presente que, se não somos capazes de nos proteger da nossa própria obtusidade, permitimos, de certa forma, que os estúpidos também nos incomodem, sem que tenhamos alternativa que não seja aceitar a rudeza do congênere, pois que a estupidez é uma espécie de passaporte para exorbitâncias.
No mundo dos estúpidos, nos comportamos mais ou menos como aquela senhora que comprou um forno de microondas e colocou o gato no seu interior para secar. Quando se deu conta da reação do animal, voltou à loja exigindo uma indenização, porque não constava do manual de instrução que o aparelho não secava gatos.
É nesse mesmo mundo prenhe de estupidez – e também descontrole moral – que se destaca o ser humano que ejaculou numa passageira num ônibus na Avenida Paulista, em São Paulo, fato amplamente noticiado.
Da estupidez do ser humano avultam também situações como a que resultou no linchamento de uma senhora no Guarujá, em São Paulo, espancada em maio de 2014, em face de uma leviana acusação, veiculada nas redes sociais (local onde pontificam com mais sofreguidão os estúpidos), de que se tratava de uma sequestradora de crianças com as quais praticava magia negra, o que depois, viu-se, era uma acusação falsa.
Nesse mesmo cenário de pura estupidez despontam situações como a noticiada certa feita por Ancelmo Gois, colunista do jornal O Globo, sobre uma senhora que passava mal no metrô do Rio, em cuja oportunidade um cidadão que estava sentado próximo, jovem e aparentemente gozando saúde, foi instado a levantar-se e dar o lugar a ela, o qual, de má vontade aquiesceu, desde que, tão logo passasse o mal-estar, lhe fosse devolvido o assento.
Reconheçamos que é muito difícil a gente se ver livre do estúpido, porque nós mesmos, de vez em quando, costumamos nos valer da nossa estupidez para infernizar as pessoas, quando não replicamos uma notícia falsa ou pregamos, por exemplo, o linchamento de um assaltante, negando, sem nenhum pudor, o Estado de Direito, o mesmo que sublimamos quando defendemos os nossos interesses.
A permear a nossa vida, com efeito, a constante estupidez do ser humano. Cito como exemplo, dentre tantos outros, para não perder a oportunidade, a ultrapassagem de veículos em autoestrada sem as cautelas devidas, sem a observância das mais comezinhas regras de trânsito, ceifando vidas de inocentes, quando não a do próprio infrator e de seus entes queridos.
Os exemplos não param por aí. Nós bem que poderíamos, sim, nos proteger da nossa estupidez, para ter o direito de exigir que o semelhante não aja da mesma forma. Bem que poderíamos, por exemplo, em respeito ao próximo, não estacionar em locais destinados aos idosos, gestantes ou deficientes físicos. Mas isso não ocorre. A cara de pau, a falta de pudor e discernimento de quem procede dessa forma contrasta com o que se espera de uma pessoa civilizada.
Digo mais. Só a nossa estupidez justifica por que, ainda nos dias atuais, há avisos nos banheiros de uso coletivo para que se dê descarga depois de usá-los ou uma advertência de que a tampa do vaso deve ser levantada antes do seu uso. Se não fôssemos estúpidos, esse tipo de advertência já estaria há muito em desuso.
O certo e recerto é que, por falta de atenção, descortino e discernimento, as pessoas vão por aí, estupidamente, desrespeitando as mais elementares regras de convivência, lembrando que são essas mesmas pessoas que, em campo oposto, se indignam, esperneiam, gritam alto e armam barracos quando constatam que seus direitos estão sendo desrespeitados, o mesmo discernimento que não têm quando são protagonistas de ações que malferem direitos do semelhante.
Se queremos mudar o mundo, se pretendemos construir uma sociedade mais humana e fraterna, é preciso nos conscientizarmos de que não será possível fazê-lo protagonizando cenas explicitas de estupidez, como ocorre quando avançamos um sinal vermelho, desrespeitamos a faixa destinada a pedestres ou aceleramos para inviabilizar que um motorista faça uma conversão.
Decerto que todos nós queremos ser respeitados, ter os nossos direitos preservados. Mas, na primeira oportunidade, agimos em desacordo com o que exigimos dos outros. E, nessa faina, endoidecidos, brutalizados, saímos por aí, estupidamente, arrostando, por exemplo, os direitos dos cadeirantes ou furando uma fila ante o primeiro vacilo de quem está há horas esperando a sua vez.
É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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