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“[…]Ante a certeza do retrocesso que virá com a mudança de entendimento do STF o único antídoto contra a impunidade seria, a meu sentir, fruto da experiência que acumulei em mais de 30 anos lidando com essas questões, a determinação dos juízes brasileiros de priorizarem os feitos criminais, numa verdadeira cruzada tenaz/cívica/moralizadora, sabido que, historicamente, referidos processos têm sido tratados com certo desprezo, como se de segunda categoria fossem, e para os quais, por isso mesmo, não se têm dado a devida atenção, de cuja omissão tem resultado, fácil constatar, a danosa sensação de impunidade que a todos nós nos incomoda, pois não são poucos os que são fulminados pela prescrição, cuja extinção da punibilidade tem ocorrido ainda em segunda instância[…]”
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Porque o tema está na ordem do dia, convém recordar alguns detalhes da decisão histórica e revolucionária do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito da prisão em segunda instância, para, ao final, expor a minha sugestão para tentar superar o revés que decorrerá da iminente mudança de orientação da nossa Suprema Corte.Pois bem. O STF entendeu, no mês de outubro de 2016, que o artigo 283, do Código de Processo Penal, não impede o início da execução da pena após uma condenação em segunda instância e, nesse sentido, indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.
Todos haverão de lembrar que o Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autores das ações, pretendiam a concessão da medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância. Alegaram que o julgamento do Habeas Corpus (HC) 126292, em fevereiro deste ano, no qual o STF entendeu possível a execução provisória da pena, vinha gerando grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de todo o país passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro, quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou no sentido da constitucionalidade do artigo 283, do CPP, concedendo a cautelar pleiteada.
Contudo, com a retomada do julgamento, prevaleceu o entendimento de que a norma em comento não veda o início do cumprimento da pena, após esgotadas as instâncias ordinárias. O Ministro Edson Fachin inaugurou a divergência, dando ao artigo 283 do CPP interpretação conforme a Constituição, afastando aquela segundo a qual a norma impediria o início da execução da pena quando não esgotadas as instâncias ordinárias. Ele defendeu que o início da execução criminal é coerente com a Constituição Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso a cortes superiores.
Fachin destacou que a Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera injusta. Para ele, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao STJ exercer seus papéis de uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Retomar o entendimento anterior ao julgamento do HC 126292, pontuou o ministro, não é a solução adequada e não se coaduna com as competências atribuídas pela Constituição às cortes superiores. Por fim, afastou o argumento de irretroatividade do entendimento jurisprudencial prejudicial ao réu, entendendo que tais regras se aplicam apenas às leis penais, mas não à jurisprudência.
O ministro Luis Roberto Barroso, de seu lado, argumentou, a propósito, seguindo a divergência inaugurada pelo Ministro Luis Edson Fachin, ser legítima a execução provisória após decisão de segundo grau e antes do trânsito em julgado para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos por ele tutelados, aduzindo que, no seu entendimento, a presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada com outros princípios e valores constitucionais que têm a mesma estatura. “A Constituição Federal abriga valores contrapostos, que entram em tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do estado”, afirmou. “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam roubadas” (Fonte: sitio do STF).
Feitos os registros sobre a questão jurídica em comento, devo admitir agora, tomado de desalento, que tenho a exata percepção de que essa decisão será revista proximamente, o que, admitamos, será um grande retrocesso no combate à criminalidade, logo agora que temos assistido a uma quebra auspiciosa de paradigma que decorre das ações implacáveis da Lava-jato, voltadas precipuamente a uma elite encastelada no Poder e que, de rigor, salvo uma ou outra exceção, sempre esteve imune às ações persecutórias.
Os que cerram fileiras pela mudança de entendimento do STF argumentam – para mim sem razão, mas essa é outra vertente que não será analisada aqui – que a interpretação da maioria fere a Constituição brasileira. Eu, cá do meu lado, tenha uma compreensão um pouco diferente e mais realista, e, nesse sentido, vou direto ao ponto: o que inspira os argumentos dos que buscam, incessante e freneticamente, a revisão da já famigerada prisão em segunda instância não é o respeito à Constituição, porque, afinal, não há desrespeito algum, pelo menos desde o meu ponto de observação. O que se busca, em verdade, é impunidade, pura e simplesmente, sabido que da espera do esgotamento de todas as instâncias resultará, com muita probabilidade, na inviabilidade da persecução pela certeza da prescrição, na maioria dos casos, do que resulta a constatação elementar que o que se almeja mesmo é a frustração das ações persecutórias deflagradas contra uma casta brasileira que se acostumou a viver à margem da lei.
Ante a certeza do retrocesso que virá com a mudança de entendimento do STF o único antídoto contra a impunidade seria, a meu sentir, fruto da experiência que acumulei em mais de 30 anos lidando com essas questões, a determinação dos juízes brasileiros de priorizarem os feitos criminais, numa verdadeira cruzada tenaz/cívica/moralizadora, sabido que, historicamente, referidos processos têm sido tratados com certo desprezo, como se de segunda categoria fossem, e para os quais, por isso mesmo, não se têm dado a devida atenção, de cuja omissão tem resultado, fácil constatar, a danosa sensação de impunidade que a todos nós nos incomoda, pois não são poucos os que são fulminados pela prescrição, cuja extinção da punibilidade tem ocorrido ainda em segunda instância.
É razoável compreender que só a decisão de priorizar os feitos criminais não resolverá, como num passe de mágica, o problema da impunidade, que, não tenho dúvida, será potencializado com a revisão do Supremo em face do cumprimento de pena após o esgotamento da segunda instância. Tenho certeza, todavia, que será um grande passo que daremos para evitar a impunidade, pois nada é mais estimulante para quem vive à margem da lei que a certeza de passar ao largo de uma persecução criminal.
É isso.