“[….]Nesse panorama, é de rigor a constatação de que, em todos as circunstâncias, em todos os eventos, em todas as oportunidades, os equívocos são sempre dos outros, ou seja, dos que estão do outro lado, dos que assumem posições que não se prestam aos interesses dos que estão do lado oposto ou que possam afetar, de qualquer modo, os interesses dos seus amigos, – pois, afinal, para os que se julgam mocinhos, para os que estão em lado oposto, aqueles que não pensam, não agem e não decidem como eles gostariam, devem mesmo ser espezinhados. E as redes sociais, nesse sentido, são o melhor palco, são o ambiente ideal, são o local mais propício, ambiente no qual se pode assacar, com grandes possibilidades de não ser alcançado pelos órgãos de controle social, as críticas mais acerbas, as acusações mais descabidas, daquelas que beiram à incivilidade e à ignomínia, muitas vezes atingindo a honra e o decoro daquele que se elegeu como bandido[…]”.
Dê uma olhada nas mensagens e comentários postados no Facebook, leia as curtas mensagens no Twitter, atente para o teor das cartas enviadas para as redações dos jornais e revistas, observe a participação de ouvintes em rádios AM/FM, ouça os discursos políticos, atente para o que dizem as mais destacadas lideranças nacionais/locais, converse nas filas de banco, dialogue numa mesa de um restaurante ou de um bar, convide os amigos para assistirem a uma partida de futebol, se reúna em volta de uma mesa para uma rodada de vinhos ou para degustar um bom churrasco e constatará, inapelavelmente, pelos discursos/comentários que ouvirá/lerá, pelas posições assumidas, enfim, que vivemos no país dos mocinhos, os quais são sempre os do lado de cá, enquanto os bandidos são os outros, os do lado de lá.
Com a devida atenção, pode-se observar, nesses ambientes – especialmente nas redes sociais (propícias ao escárnio e ao vilipêndio) -, que o vizinho, o torcedor rival, o motorista que disputa o mesmo espaço, o juiz que concedeu ou negou uma liminar, o ministro que soltou ou o que mandou prender, o deputado que votou contra ou o que votou a favor, o promotor que denuncia ou o promotor que não denuncia, o delegado que prende ou o delegado que não prende, todos, enfim, que não pensam e não agem e/ou não decidem de acordo com o que pensam e querem os que se imaginam mocinhos, são sempre os bandidos, são o alvo a ser defenestrado, o alvo a ser atingido, a ser massacrado, a ser enxovalhado, convindo anotar que os mocinhos, sobretudo os que pontificam nas redes sociais, que têm sempre uma crítica mordaz a fazer aos que não pensam da mesma forma que eles, são os que, na vida pessoal, na maioria das vezes, relativizam a moral, que não se acanham de, quando lhes convém, dar um jeitinho, fazer uma traquinice, cujo senso crítico só se mostra atilado quando lhes apraz.
Nesse panorama, é de rigor a constatação de que, em todos as circunstâncias, em todos os eventos, em todas as oportunidades, os equívocos são sempre dos outros, ou seja, dos que estão do outro lado, dos que assumem posições que não se prestam aos interesses dos que estão do lado oposto ou que possam afetar, de qualquer modo, os interesses dos seus amigos, – pois, afinal, para os que se julgam mocinhos, para os que estão em lado oposto, aqueles que não pensam, não agem e não decidem como eles gostariam, devem mesmo ser espezinhados. E as redes sociais, nesse sentido, são o melhor palco, são o ambiente ideal, são o local mais propício, ambiente no qual se pode assacar, com grandes possibilidades de não ser alcançado pelos órgãos de controle social, as críticas mais acerbas, as acusações mais descabidas, daquelas que beiram à incivilidade e à ignomínia, muitas vezes atingindo a honra e o decoro daquele que se elegeu como bandido.
Definitivamente, para os que pensam e agem a partir dos seus interesses, de sua visão unilateral de mundo, à vista de suas idiossincrasias, cujo centro do universo é o próprio umbigo, os mocinhos são eles próprios e os que se alinham ao seu pensamento, ou seja, os que decidem como eles gostariam que decidissem, os que pensam de igual modo ou, numa outra perspectiva, os que defendem e se alinham aos seus interesses. Nesse cenário, os que ousam contrariar os mocinhos, são os néscios que estão a merecer o seu desprezo. Nessa senda, eles, os mocinhos, não perdem a oportunidade de atacar os que julgam ser os bandidos, ou seja, os outros; bandidos por pensarem de modo diverso, por ousarem assumir posições diferentes.
E, nesse afã, para escarnecer o inimigo, nada melhor, repito, que uma página na internet, ambiente ideal para desancar quem pensa diferente, quem ousa discordar, ainda que, nesse alvitre, seja preciso manchar a honra daqueles que são eleitos desafetos, os quais, afinal, aos olhos dos mocinhos, não são dignos de respeito.
No mundo dos que usam as redes para destilar ódio e espargir veneno, constata-se que, do lado de cá, definitivamente – e assim parece estar dividida a sociedade –, estão os mocinhos; do lado de lá, estão os bandidos, considerados como tais até que adiram ao pensamento dos mocinhos ou até que decidam de acordo com as expectativas desses mesmos mocinhos.
Nesse mundo perverso e maniqueísta, o mal está sempre nos outros. Só os mocinhos professam e agem de acordo com o bem, o bom e o justo. Os desonestos são sempre os outros; os honestos são só os que se imaginam mocinhos, pois só estes têm pudor, agem com acerto. E os outros? Bom, os outros, até prova em contrário, são de honestidade duvidosa, a menos, repito, que se aliem ao pensamento dos mocinhos, que cerrem fileiras na defesa dos interesses dos que, imaginando-se mocinhos, são impiedosos com os que elegem bandidos.
No mundo dividido entre mocinhos e bandidos, a tendência é de os primeiros fecharem os olhos para os erros dos seus congêneres – e os seus próprios – e dos que pensam e agem da mesma forma que eles, para, noutro giro, permanecem com os olhos bem abertos e censuradores para os erros dos que elegeram como bandidos.
E assim, nos mais diversos ambientes, o que se ouve é sempre crítica aos outros; sempre aos outros. Nada de autocrítica, uma vez que os erros estão sempre nos outros, assim como os desvios de conduta são sempre protagonizados por estes. Por isso, as redes sociais parecem abrigar um exército de arcanjos, onde vicejam as críticas acerbas e as infâmias assacadas contra os que não rezam pela cartilha dos que se julgam donos da verdade. E tomem críticas e aleivosias, sobretudo aos homens públicos, muitas das quais assacadas por quem, na vida privada, vive protagonizando deslizes morais que só consegue perceber e condenar nos outros.
É isso.