IN DUBIO PRO SOCIETATE

“[…]Ainda que se imagine, para ludibriar a alma e não dobrar-se diante da desesperança, que as coisas estão mudando, esse tipo de gente que colocamos no poder por pura vacilação, ciente de que punição para os que estão no andar de cima é quase uma quimera, nada teme. Daí a razão pela qual persiste na sua ferocidade criminosa, desafiando as instituições, cabendo a nós, eleitores, nesse cenário, dar um basta nessa situação de verdadeiro descalabro, selecionando melhor a nossa representação[…]”

Confesso que, sobretudo aos finais de semana, quando concluo a leitura das mais importantes revistas semanais e dos principais jornais do Brasil, sou sempre tomado de angústia e de desesperança, em face das notícias sobre os desvios de conduta de uma parcela significativa da nossa representação nas casas legislativas, desvios que podem ser protagonizados tanto pelo próprio representante quanto por interposta pessoa, fruto do nocivo aparelhamento do Estado.

A desilusão torna-se muito mais intensa ante a constatação de que muitos desvios de conduta – sempre em detrimento do patrimônio público e, por consequência, em desfavor do interesse público – poderiam ser evitados se tivéssemos critérios na hora de escolher os nossos representantes, o que significa que somos todos, de certa forma, responsáveis pelos descalabros que testemunhamos.

Causa mais desconforto e desconsolação constatar, como diz o ministro Luis Roberto Barroso, que há criminosos – muitos dos quais acomodados no poder, por nossa conta e risco – que, flagrados na ilegalidade, processados e condenados, ainda assim optaram por não serem honestos nem daqui para a frente.

Ainda que se imagine, para ludibriar a alma e não dobrar-se diante da desesperança, que as coisas estão mudando, esse tipo de gente que colocamos no poder por pura vacilação, ciente de que punição para os que estão no andar de cima é quase uma quimera, nada teme. Daí a razão pela qual persiste na sua ferocidade criminosa, desafiando as instituições, cabendo a nós, eleitores, nesse cenário, dar um basta nessa situação de verdadeiro descalabro, selecionando melhor a nossa representação.

Nesse quadro desalentador, nós, que estamos do outro lado do balcão, que optamos por levar uma vida decente, somos os otários para os quais foi reservada apenas a função de legitimar as bandalheiras dos nossos representantes, por meio do voto, cuja importância, em países com a nossa tradição, tem sido relativizada, pelos mais diversos motivos, dentre eles os culturais, que condizem com a aceitação, com certa naturalidade, dos desvios de conduta dos nossos representantes.

Mas a mim me incomoda, sobremaneira, a total indiferença desses predadores sociais para com o sofrimento dos representados, que são os mesmos que, tomados de esperança, se dirigem, periodicamente, a uma cabine eleitoral para depositarem o seu voto, muitas vezes sem a necessária consciência de sua importância, com o que contribuem para perpetuação desse quadro de verdadeiro descalabro moral.

Nesse ambiente desolador, a mim me causa estupefação, igualmente, a indiferença de muitos dos nossos representantes ante a imputação de desvios de conduta, panorama que me levar a concluir que o homem que tem ambição material desmedida, do tipo “faço qualquer coisa pra levar vantagem”, tende a agir com naturalidade em face do que seja lícito ou ilícito, o que explica o descompasso existente entre ambição/ganância sem controle e moral, daí a necessidade de sermos mais rigorosos nas nossas escolhas, sob pena de contribuirmos para perpetuação desse quadro nefasto de verdadeira orgia moral que tanto infelicita o povo brasileiro, sobretudo o mais humildes para os quais o Estado tudo nega.

Todos nós temos ciência que, para condenar alguém, o juiz precisa estar diante de provas induvidosas, inquestionáveis; mínima que seja a dúvida, ele deve absolver o acusado, ainda que contrarie aqueles que querem justiça de qualquer forma, de toda sorte; tem aqui aplicação, às inteiras, o brocardo latino in dubio pro reo.

Compreendo, por outro lado, que, para não sufragar o nome de determinado candidato, basta que o eleitor tenha dúvidas quanto a sua integridade moral. Na dúvida, portanto, sobre a conduta moral de um candidato, o eleitor deve optar por outro que tenha boa reputação, que tenha história de vida escorreita e conduta ilibada, pois só assim poderemos mudar a realidade que hoje vivenciamos. Nessa liça, deve prevalecer a parêmia in dubio pro societate. É dizer, na dúvida sobre a conduta moral de determinado candidato, o eleitor deve optar pelo interesse público, pois é quase certo que o candidato com uma vida prenhe de deslizes não fará bom uso da outorga.

Nessa linha de compreensão, não é despiciendo lembrar que há muitos candidatos sobre os quais não recai nenhuma mácula sobre a sua honradez, sobre a sua integridade moral; e são esses que estão a merecer a nossa distinção com o voto.

As nossas escolhas, ou melhor, as nossas péssimas escolhas, contribuíram, não tenho dúvidas, para a situação que hoje vivenciamos, pois, só mesmo num país que se acostumou com a relativização da moral, se pode conceber que tantos homens públicos de moral duvidosa tenham os seus nomes sufragados para continuarem nos representando.

Para iniciar uma mudança de rumo, a possibilitar a construção de uma nova sociedade, nós, cidadãos, só temos um instrumento, o voto, razão pela qual ele não pode ser mercadejado, não pode ser negligenciado, pois é por meio dele que podemos expungir da vida pública os que fazem dela apenas mais um ambiente propício para auferir vantagens de ordem pessoal, em detrimento do interesse público.

Simples assim.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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