“[…]O que testemunhei – absorto e, até, indignado -, ante as reações apaixonadas que decorreram da referida decisão judicial, foi, para dizer o mínimo, uma verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito, típico das republiquetas mais atrasadas e sem perspectiva de futuro[…].
Todos nós testemunhamos, absortos e indignados, dias de intolerância, de muita insensatez, quando não dias de fúria.
É grave constatar que determinadas condutas incivilizadas, insensatas e inconsequentes promanam de pessoas das quais esperamos, pela sua história, pelo que dizem e pelo que escrevem, discernimento, sensatez, equilíbrio e bom senso.
A quadra é ainda mais desesperançadora quando constatamos que não são poucos os homens públicos que parecem não ter equilíbrio para enfrentar adversidades.
Essa é uma constatação histórica.
Sempre foi assim; e assim sempre será, infelizmente.
Mesmo as mais provectas lideranças, mesmo as mais calejadas pelo tempo, padecem desse grave defeito, a depender somente das circunstâncias e das conveniências de estar de um lado ou de outro em face de um determinado evento.
Tenho dito que quando ações inconsequentes e insensatas dimanam de pessoas pouco esclarecidas, ou mesmo daquelas para as quais o destino reservou apenas a parte mais amarga da vida, eu até tento compreender as insólitas reações que protagonizam em face de um determinado fato da vida.
Contudo, se a falta de civilidade, de sensatez e descortino advêm de pessoas esclarecidas, das quais espera-se sempre uma ação – ou reação – equilibrada ante uma adversidade, aí sou instado a crer que caminhamos em direção a um precipício vertical perigoso, na direção mesmo da escuridão.
Faço essa linha de introdução para externar a minha inquietação, para dizer o mínimo, em face das reações apaixonadas, fanáticas e inconsequentes que testemunhei, dias atrás, em face de uma decisão judicial de primeiro grau, como de resto sempre acontece quando uma decisão alcance algum interesse mais destacado.
Em qualquer nação civilizada, diferente do que tenho testemunhado aqui no Brasil, e especialmente no Maranhão, as pessoas, mesmo as incultas e iletradas, diante de uma decisão judicial, reagem com o equilíbrio que se espera de quem sabe que as instituições estão em plena atividade.
Nessa perspectiva, ou com a decisão concordam, e se submetem aos seus comandos, ou dela recorrem para uma instância revisora.
Simples assim; claro como a luz do sol.
Não precisa teatro, estardalhaço, carnavalização, desrespeito, menoscabo para com o autor, ou autora, da decisão.
Por essas paragens, onde tudo exala um perturbador cheiro de atraso, com pitadas de incivilidade, ataca-se a decisão prolatada, abespinha-se a instância decisória, tenta-se desqualificar o(a) autor(a) da decisão, como se decisão judicial fosse algo inusitado, do outro mundo, objeto estranho deixado por um extraterreno, uma bomba nuclear prestes a ser acionada, tudo decorrente de um ambiente político contaminado por paixões quase radioativas; paixões políticas que, em face dos seus efeitos nocivos, reafirmam o nosso atraso.
Nesse ambiente tóxico, pouco importa a honra, a história de quem prolatou a decisão, pois, para dar vazão às paixões políticas, o que importa, diante de um revés judicial, ainda que provisório, é desqualificar quem ousou subscrever o édito, como se os fatos deixassem de existir ante a desqualificação do prolator da decisão, reação que, convém pontuar, não é privilégio desse ou daquele grupo, mas de todo o espectro político local.
Nessa faina, produzem-se, a cântaros, fake news, invocam-se, sem escrúpulos, todas as maledicências do mundo, como se fosse possível curar a febre quebrando o termômetro.
Em qualquer país, onde a disputa pelo poder é apenas uma disputa para servir, sem outra ambição que não seja o bem comum, uma decisão judicial, seja qual for a sua envergadura, não é nada mais que uma decisão judicial; tão somente uma decisão com a qual se concorda ou não.
Todavia, na nossa província, onde a imaturidade política parece fincar as suas garras com mais sofreguidão, uma decisão judicial, algo normal, repito, em qualquer sociedade civilizada, serve de instrumento de vendeta, ganha as manchetes de jornais, suscita questionamentos, põe em xeque a credibilidade das pessoas, para, no mesmo passo, fragilizar as instituições.
No nosso mundo, permeado de atitudes provincianas, mesmo daqueles dos quais se espera grandeza nas atitudes, uma decisão judicial, dependendo de suas consequências políticas, é usada como um troféu para escarnecer ou fazer troça do adversário, como se o subscritor da decisão estivesse, necessariamente, a serviço de grupos políticos; grupos que aplaudem ou criticam a decisão sempre à luz dos seus interesses.
Nesse panorama, o juiz que decide pode ser levado ao pedestal ou conduzido ao cadafalso: na primeira hipótese, pelos que se beneficiam politicamente com a sua decisão; na segunda, pelos que se julgam prejudicados.
De uma forma ou de outra, o prolator da decisão só será considerado um bom juiz, um juiz imparcial, um exemplo de magistrado, um homem digno e honrado para aqueles que, de alguma forma, se beneficiem, ou possam tirar algum proveito, da sua decisão, caso contrário, não passará de um juiz parcial e sem escrúpulos, a serviço desse ou daquele grupo político.
Não nos iludamos. Os que hoje elogiam algumas decisões judiciais, porque as julgam favoráveis às suas pretensões, são os mesmos que, no passado, diante de uma decisão desfavorável, colocaram as garras de fora e partiram para tentar desqualificar o juiz prolator.
Por tudo isso, nenhum de nós deve se sentir prestigiado, ou desagravado, em face de algumas manifestações de aparente respeito e solidariedade, que nada mais são que ações de pura conveniência e/ou oportunismo politico.
Triste espetáculo.