INTERDIÇÃO DO PENSAMENTO

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“[…]A verdade é que, nos dias presentes, não se vê, por parte do Estado, interdição de discursos, óbices às manifestações do pensamento, impedimentos às manifestações culturais, conquanto, aqui e acolá, algum controle se mostre necessário, o que não deve ser confundido com censura, nos moldes que testemunhamos nos regimes ditatoriais[…]”

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Reconheço, e acho que sobre isso ninguém tem dúvidas, que vivemos numa democracia, que, por essas paragens, pode não ser a melhor do mundo – às vezes relativizada, às vezes absoluta, algumas vezes ameaçada em face de uma ou de outra ação intempestiva, por razões que não vale a pena declinar neste espaço, porque desbordariam do tema que elegi para este artigo -, mas que, de rigor, é sim, uma democracia, com as imperfeições de toda obra do homem.

Hoje, não se há de negar, podemos dizer – salvo alguma autocontenção, própria do momento em que vivemos, questão sobre a qual me deterei mais adiante -, pela via escrita ou oral, o que nos apraz, o que nos convém, na certeza de que podemos vir a ser responsabilizados pelos excessos que viermos a cometer, pois, afinal, num ambiente democrático podemos muito, mas não podemos tudo. É que há limites, há regras, escritas e não escritas, que nos impõem limites. E é bom que assim o seja. E é bom que todos saibamos disso. Em cada um de nós deve mesmo ser cultivado um espaço de racionalidade.

A verdade é que, nos dias presentes, não se vê, por parte do Estado, interdição de discursos, óbices às manifestações do pensamento, impedimentos às manifestações culturais, conquanto, aqui e acolá, algum controle se mostre necessário, o que não deve ser confundido com censura, nos moldes que testemunhamos nos regimes ditatoriais.

Todavia, paradoxalmente, a intolerância, nos dias atuais, por parte da própria sociedade, em face do que pensamos e externamos, tem funcionado como um limitador da nossa capacidade de pensar e externar o que pensamos, a interditar, ou, pelo menos, limitar a nossa criatividade. É que as pessoas, nos dias presentes, como lembra o ex-ministro Carlos Ayres Brito, confundem faca nos dentes com pensamento afiado.

Nesse ambiente de intolerância, potencializado em face da divisão da sociedade entre os “de cá” e os “de lá”, fruto de um discurso político irresponsável, a gente nunca sabe mesmo, em face da toxicidade do momento, como a nossa mensagem será recebida.

A intolerância que todos nós temos testemunhado é de tal envergadura – sobretudo a que decorre das manifestações odientas que encontram ressonância nas redes sociais – que consegue, sim, interditar as nossas manifestações, nos reprimir, inibindo a nossa capacidade de pensar e de traduzir em palavras o que pensamos.

Nesse panorama, é cediço que, de certa forma, todos nós – pelo menos comigo isso ocorre – , sobretudo os que escrevem para uma parcela relevante da sociedade, estabelecemos os nossos próprios limites, que condizem com o excesso de cautela com as palavras, temerosos das consequências de uma expressão mal colocada, sabido que aquele que lê um texto pode ser o mesmo que, de uma janela, se detém na lama que se esparrama pela rua, em vez de elevar a sua vista para a beleza do céu estrelado.

Nos dias atuais, reafirmo, não há uma ditadura estatal sendo exercida sobre o pensamento, sobre as nossas escritas, sobre as nossas posições em torno desse ou daquele assunto. Isso é fato. Nesse cenário, cada um de nós tem liberdade de dizer o que quiser, de escrever o que deseja escrever, cabendo a cada brasileiro, de outra banda e com efeito, decidir o que quer ler ou o que deseja assistir.

Apesar da inexistência de censura oficial, é preciso convir que há, sim, substituindo-a, no seu lado mais tenebroso, erupções de ódio, que são, a meu sentir, pelas suas nefastas consequências sobre o pensamento e a liberdade de expressão, uma forma de censura protagonizada, importa reafirmar, com espanto e inquietação, pela própria sociedade, a mesma que viveu os rigores da censura estatal no período ditatorial de triste memória.

Nesse cenário desalentador, proliferam, marcada e precipuamente, nas redes sociais, os insultos, as maledicências, a perfídia, os ataques despropositados em face dessa ou daquela posição assumida, a inibir, importa repetir, as mais diversas manifestações do pensamento e mesmo as manifestações culturais, o que, admitamos, é de lamentar, a considerar que o Estado, em boa hora, recolheu as suas armas censórias e que, como anotei no preâmbulo dessas reflexões, vivemos numa democracia, onde, de rigor, a todos os cidadãos deveria ser assegurado, substancialmente, o direito de se expressar como bem lhe aprouvesse, tendo em contrapartida, tão somente, assumir o ônus em face dos excessos que praticar.

Eu mesmo, cá do meu canto, que tenho compartilhado o meu pensamento com um número razoável de leitores, vejo-me, aqui e acolá, me autocensurando, com receio de não saber como vai ser recebida essa ou aquela manifestação, sabido, reafirmo, que vivemos uma quadra de intensa e despropositada intolerância, a inibir a criatividade das pessoas.

Situações como as que temos vivenciado, impondo a nós um comportamento de absoluta cautela – para não dizer autocensura -, em face daquilo que pretendemos dizer em nossos escritos, são inibidoras da nossa capacidade criadora, sobretudo a considerar que, na língua portuguesa, não são poucos os termos abertos, de cuja amplitude de sentido resultam as mais variadas interpretações, muitas delas, dependendo do intérprete, marcadamente maledicentes.

É difícil, num ambiente desses, deixar a liberdade de pensamento fluir. Nesse ambiente perigoso e, às vezes, violento, não há como o pensamento emergir na sua inteireza. E por mais inspirado que seja o articulista, a possibilidade, sempre presente, de ser incompreendido, funciona como uma óbice que não deixa o pensamento vicejar.

Ressalte-se que a triste realidade é que vivemos uma quadra de tamanha insensatez e intolerância que as pessoas só defendem, com unhas e dentes, o direito de o semelhante dizer o que pensa, até o momento em que começam a ouvir aquilo que não querem ouvir.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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