ESPAÇOS DE RACIONALIDADE

Há uma velha e conhecidíssima lição de Rui Barbosa, segundo a qual Justiça tardia não é justiça, senão que injustiça qualificada e manifesta.

A Constituição Federal, copiando o que já era regra no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, dispõe que a prestação jurisdicional será prestada em prazo razoável, exatamente para que as decisões judicias serôdias não se constituam, como, de fato, têm se constituído, numa manifesta injustiça, como bem assinalado pelo ilustrado baiano.

Todavia, não basta a Constituição prescrever e erigir à condição de direito fundamental a duração razoável do processo para que o cidadão, como num passe de mágica, tenha acesso a uma ordem jurídica justa (Kazuo Watanabe); tanto que, apesar do comando constitucional, o cidadão que precisa do Poder Judiciário deve estar ciente de que vai esperar por um longo tempo para uma solução, ainda que se trate de questões de menor relevância.

A realidade é que, em face dos nossos conhecidos problemas estruturais, o sistema de resolução dos conflitos pela via jurisdicional não tem alcançado os seus objetivos, disso resultando que, a depender de uma solução adjudicada, não chegamos à tão sonhada pacificação social, que, afinal, é a finalidade da lei, do Direito e a razão da existência do Poder Judiciário.
Diante dessa realidade insofismável, que, por vezes, resulta na quebra da credibilidade do Poder Judiciário, tenho para mim que somente uma mudança definitiva de cultura terá o poder minorar os nossos problemas.

Nessa direção, ou seja, da necessária mudança de cultura, o Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2010, editou a Resolução 125, com o escopo de organizar, nacionalmente, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, mas também os serviços que envolvam os meios alternativos de solução de conflitos, especialmente os consensuais, como a conciliação e a mediação.
Apesar do tempo decorrido da edição da referida Resolução, constato que não são poucos os que ainda optam, desnecessariamente, pelo via adjudicada para resolução dos conflitos, resistindo às vias alternativas para solucioná-los, mesmo após o advento do Novo CPC e ainda que saibam que a judicialização, definitivamente, não é o caminho mais racional nesse sentido, em face, sobretudo, do excesso de demanda nos Tribunais, a inviabilizar a tão sonhada razoabilidade de tempo na entrega do provimento jurisdicional.

Nesse panorama, “para que o Sistema Judiciário como um todo possa cumprir o seu papel com eficiência e em tempo razoável, deve ser reservado ao Poder Judiciário, fundamentalmente, causas mais significativas que exijam o controle de legalidade nos casos de lesão ou ameaça de lesão a direitos. ”(Roberto Portugal Bacellar, in Integração de Competências e Mudança de Cultura para o Desempenho das Atividades de Conciliador e Mediador).

É preciso reafirmar algo que todos nós que militamos na esfera judicial já sabemos há bastante tempo: é falsa a conclusão de que de somente uma sentença aplicando a lei ao caso concreto, de cuja disputa resultam sempre vencedores e vencidos, pacifica a sociedade.

A tão almejada pacificação social, é preciso ter presente, não se alcança, necessariamente, com uma sentença. Desde a minha compreensão, ela só tenderá a ser alcançada quando as pessoas forem capazes de sentar a uma mesa de negociação, nos ambientes próprios para essa finalidade, que tenho denominado de espaços de racionalidade, onde as partes se empoderam, assumem as rédeas do seu destino, resolvem por si os seus problemas, cedendo aqui e ganhando acolá.

É preciso ter em linha de conta que, numa disputa de interesse em face de uma pretensão resistida, com duas partes em disputa, litigando com todas as suas forças, quando um ganha e a outra necessariamente perde, a tão sonhada pacificação social se transforma numa quimera.

Como leciona a saudosa professora Ada Pellegrini Grinover, a pacificação social “não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela emergiu, como simples ponta do iciberg”(in Os Fundamentos da Justiça Conciliativa).

Diante da constatação de que somente pela via consensual conseguiremos resultados que condigam com a tão sonhada pacificação social é que, no Tribunal de Justiça do Maranhão, na condição de presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, tendo o luxuoso e determinado auxílio do colega Alexandre Lopes Abreu e de uma equipe dedicada de funcionários, além do apoio inexcedível do presidente José Joaquim Figueiredo dos Anjos e do Corregedor Marcelo Carvalho Silva, temos implementado uma política arrojada de estímulo às vias alternativas de solução de demandas, disponibilizando aquilo que tenho denominado de espaços de racionalidade, que são os nossos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, nos quais, com profissionais qualificados, buscamos solucionar, pela via consensual, os litígios que decorrem da vida em sociedade, na certeza de que, com isso, damos a nossa contribuição para uma vida menos conflituosa.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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