LAMENTO E ARREPENDIMENTO

Em outra ocasião, aqui neste mesmo espaço, tive a oportunidade de dizer que acho uma desprezível arrogância alguém não se permitir o arrependimento ou concluir que, se tivesse que voltar ao passado, faria tudo outra vez, como se fosse infalível.

Nesse sentido, não é incomum ouvir as pessoas dizerem, com excessiva soberba: não me arrependo de nada do que fiz até agora. Ou, noutro giro, mas com igual arrogância: se tivesse que começar de novo, faria tudo outra vez.

Dito de uma forma ou de outra, o que se infere mesmo das afirmações acima lançadas é que há pessoas que não se permitem admitir o erro, e por isso não aceitam mudar alguma atitude equivocada que tenha protagonizado no passado.

Pessoas que pensam assim tendem a pagar um preço elevado pela arrogância, pois não existe quem, tendo passado pela vida, não tenha motivos para o arrependimento, para o qual, importa consignar, só há um momento: o momento certo.

Se não formos capazes de perceber o momento certo do arrependimento, daí em diante, a destempo, portanto, só pode ocorrer o lamento, aqui entendido como a expressão de uma dor. É que, fora de hora, o arrependimento é lamento, autoflagelo, autopunição.

A verdade é que há pessoas, todos nós testemunhamos, que só demonstram algum arrependimento depois do caldo derramado, diante, muitas vezes, da finitude, quando mais nada pode ser feito para reparar os erros cometidos.

Um câncer devastador em face do cigarro, uma cirrose hepática em face do consumo imoderado de álcool, um enfarto em face de uma vida desregrada não permitem, é bom que se diga, um arrependimento eficaz, senão o lamento tardio.

Por isso, tenho dito, fruto da minha experiência de vida, que há tempo para o arrependimento, como há tempo para plantar e para colher.

Arrepender-se a tempo e tentar minimizar as consequências dos erros cometidos tem que ser, ademais, decorrente de uma ação espontânea. Nessa perspectiva, não vale o arrependimento imposto, incutido por circunstâncias externas, decorrentes, portanto, de pressões exógenas, premido pelas circunstâncias, pelas adversidades, porque aí, é necessário redizer, não se trata de arrependimento, mas de lamento, quando não mero oportunismo. O arrependimento tardio é, repito, um não arrependimento, um lamento oportunista.

Há quem pense que basta amar as pessoas. E não são poucos os que não percebem, portanto, que não vale apenas amar. É preciso cuidar, ademais. E quem ama verdadeiramente, cuida, pois amar sem cuidar é como se não fosse amor; se é amor é amor internalizado, egoístico, inconsequente, descuidado, sem efeito prático. Logo, é a qualidade das relações, os sentimentos que cultivamos, o amor que dedicamos aos entes queridos que determinam a qualidade e profundidade das relações que estabelecemos.

Contudo, é forçoso admitir, não são poucos os que, em face da família, não amam e não cuidam, para, no final, já nos estertores da vida, quando não há mais tempo para o arrependimento, cobrarem atenção, amor e afeto daqueles para os quais negaram os mesmos sentimentos.

Quem não valoriza o amor filial, quem abandonou a quem deveria cuidar, pode ter certeza de que, muito provavelmente, se não for capaz de se arrepender a tempo e hora, receberá em contrapartida, nos momentos mais angustiantes de solidão, as migalhas que restaram do relacionamento que nunca valorizou, pois, se na vida somos um poço vazio de sentimentos, se pensarmos apenas em nós mesmos, vazios também serão os momentos que antecedem a finitude.

A verdade é que o que passou passou, e sobre isso não há o que discutir e nem o que fazer, razão por que, quando muito, o que podemos é especular, convindo trazer à colação, para ilustrar e para reafirmar a imutabilidade do passado, uma passagem da história protagonizada pelo líder chinês Deng Xiaoping, o qual, indagado sobre como teria sido escrito a história se Kennedy não tivesse sido assassinado, respondeu, irritado, na lata: “A senhora Kennedy não teria casado com Onassis”. Com isso ele apenas pretendeu reafirmar o óbvio: não dá pra ficar perscrutando em face de situações consolidadas, pois não se muda a história à luz de um juízo de especulação.

Passados os anos, aquele que não foi capaz de amar, de valorizar os seus entes queridos, que só pensou em seus próprios interesses, que não soube compartilhar, se solidarizar, enfim, não terá condições, por falta de tempo, de, aproximando-se o fim, reconstruir a relação que solapou, quando devia cultivar. Ademais, os que não cultivam carinho, amizade, consideração e respeito dos seus, na finitude tenderá a sentir uma dor tão lancinante que nenhuma morfina será capaz de fazer cessar, porque é muito mais que dor física.

Por tudo isso, é que devemos amar, nos dedicar, nos solidarizar, nos entregar e viver para as pessoas que verdadeiramente nos amam, pois, creiam, diante dos infortúnios, das dificuldades pelas quais todos haveremos de passar um dia, se não formos capazes de amar e nos dedicar verdadeiramente a quem nos ama, tenderemos, quando mais necessitarmos, apenas lamentar pelas nossas atitudes. Daí porque, como diz o roqueiro, é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há mesmo.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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