DIAS DE INTOLERÂNCIA

Desde muito jovem, tenho assistido – e participado como protagonista, muitas vezes, – aos mais diversos embates, nas mais diferentes frentes, pelos mais diversos motivos. Mas sempre mantendo o equilíbrio, sem agredir, sem abespinhar ninguém, conquanto defenda os meus pontos de vista sempre com muita ênfase, porque esse é o meu jeito de ser, de enfrentar as questões de maneira sempre muito enfática; sou intenso mesmo. E por já ter visto de tudo, posso dizer que nada mais me surpreende, embora me deixe estarrecido.

Não entendo, sinceramente, a razão do vale-tudo, das agressões gratuitas, usadas como argumentos heterodoxos e metajurídicos, sobretudo em ambientes nos quais se espera dos contendores o necessário equilíbrio, a indispensável sensatez e o inarredável respeito pelos que pensam de maneira diversa.

A realidade é que desse vale-tudo, das agressões desmedidas e desnecessárias resultam péssimos exemplos, sobretudo quando os contendores deveriam protagonizar atitudes sensatas. Logo, é preciso convir que qualquer forma de agressão é um péssimo exemplo, e não educa; antes, deseduca, pois, agressões, quaisquer que sejam, causam em cada um de nós um certo estupor, uma grave sensação de que alguma coisa está fora de ordem.

A intolerância dos homens públicos, daqueles de quem se espera atitudes equilibradas, é forçoso constatar, termina contaminando – o que é mais grave ainda – parcela significativa da sociedade, que passa a usar dos mesmos expedientes contra os que ousam pensar de modo diferente, o que pode ser comprovado nas redes sociais, onde os contrários travam uma verdadeira guerra, com muitas agressões, tendo a antecedê-las muita intolerância. Dessa forma, a intransigência – espanta que muitos não vejam – açula, em ambientes antes fraternais, os embates que, muitas vezes, levam à ruptura das relações. E assim, movidos pelos embates, pela falta de cortesia, pelas atitudes desabridas de muitos, fruto da intolerância que permeia a nossa vida, não são poucos os que veem como inimigos aqueles que pensam de modo diferente.

A verdade é que os contendores que não se impõem limites, deixam entrever que, na tentativa de sobrepujar aquele que elegeu como inimigo, não vale perder pela força dos argumentos; tudo o mais vale, segundo tenho testemunhado em diversos ambientes onde a pluralidade de pensamento deveria ser vista como algo natural.

Ganhar, vencer, sobrepujar aquele que se elegeu como adversário, de qualquer maneira, de toda sorte, é o comando, é o que move o contendor mais aguerrido. Os meios? Isso pouco importa. As consequências? Irrelevantes. O interesse público? É questão secundária.

Tudo faz crer, enfim, que as descortesias, os ataques, as agressões verbais, a falta de respeito e a desconsideração em face do semelhante são movidos por um único e prevalecente sentimento, qual seja o de entender que importante mesmo é assumir com a pose de vencedor da contenda, ainda que em detrimento de outros valores mais importantes.

Nesse afã, não há espaço para tolerância, para a concórdia, para fraternidade, uma vez que a tolerância, nesse ambiente, é confundida com covardia. Nesse cenário, pensam os contendores, é preciso agir sempre e reagir sem enleio, sem titubeio, com a necessária agressividade; se preciso, com armas mais contundentes, com ataques mais letais, ainda que a ofensa se dirija à honra e à dignidade do desafeto.

Para ilustrar e para deixar claro que, mesmo em nações que julgamos civilizadas, a intolerância, as agressões gratuitas, os ataques pessoais contra os que pensam diferente permeiam as relações – sobretudo quando o afã é desprestigiar o antagonista -, trago um exemplo que apanhei no best-seller Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.

Narram os autores que, em 2008, Barack Obama, na noite de sua eleição, com a sua família reunida num palco em Chicago, se congratulou com McCain por sua carreira heroica de contribuições à nação, num gesto de tolerância quase incomum.

McCain, mais cedo, em Phoenix, Arizona, tinha feito um discurso cortês de reconhecimento da vitória de Obama, a quem descreveu como um homem bom que amava o seu país, e lhe desejou uma boa jornada, num exemplo clássico de reconciliação pós-eleição.

Tudo parecia levar ao caminho da civilidade.

Todavia, segundo os autores, havia algo errado no Arizona, pois, tão logo McCain mencionou Obama, a multidão vaiou aos berros, forçando o senador do Arizona a acalmá-la, numa situação típica de intolerância, a evidenciar que o apelo à conciliação de McCain não resistiu aos arroubos de insensatez.

A partir daí, Obama, a reafirmar o óbvio, passou a ser questionado na sua legitimidade, a ser submetido a uma oposição mais do que perniciosa.

Ante situações que tais tenho dito que, em vez do jogo sujo, desleal e sorrateiro, permeado de agressões desnecessárias, conflagrando os ambientes nos quais se espera ponderação e equilíbrio, com posições radicalizadas, as pessoas deveriam ter uma atitude de grandeza, apostando na concórdia e na temperança.

Claro, reconheço, é uma utopia esperar gestos de grandeza de determinadas pessoas, sobretudo daquelas que não têm espírito público, cujo centro do universo é seu próprio umbigo.

Mas não se deve apostar na distopia, nas ações disruptivas que não edificam; que, antes, fazem sucumbir valores que nos são caros, como a paz e a fraternidade.

O arrivismo, as diatribes, as más condutas, o jogo baixo, a intolerância e o estímulo à discórdia não constroem; antes, introjetam em todos o grave sentimento do confronto.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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