Sempre que participo de uma disputa pelo poder, faço a mesma pergunta: vale tudo pelo poder? É sobre essa questão que pretendo refletir, aqui e agora.
Pois bem.
Há uma teoria segundo a qual todas as nossas motivações, todas as nossas energias, enfim, não passam de aspirações pelo poder. Essa seria, pois, segundo a teoria, a essência da energia humana.
Segundo a mesma teoria, até mesmo o sexo pode se traduzir em categorias de poder, “seja porque queremos possuir o corpo de outra pessoa – e, portanto, possuímos a pessoa completamente -, seja porque achamos que, ao possuí-lo, impedimos outros de fazê-lo; ambas as situações nos permitem a satisfação do poder que exercemos sobre alguém” (Leszek Kolakowki, in Pequenas Palestras sobre Grandes Temas, editora Unesp, p. 12).
Hobbes, nessa linha de compreensão, entendia que o movimento primário de todo ser humano é, sim, em direção ao poder. É dele a conclusão: “[…] evidencio uma inclinação geral de toda a humanidade, um perpétuo e incansável desejo de poder após poder, que só cessa com a morte”. Por causa disso, entendia que devia haver um poder absoluto para controlar o homem[…]” (apud Martin Cohen, Casos Filosóficos, 2012, p.135).
É compreensível, pois, à luz dessas menções teóricas – corroboradas na prática -, que muitas das nossas energias são despendidas na busca pelo poder. Daí que não são poucos os que, obstinados, perseguem o poder de todas as formas, sem sopesar as consequências, despendendo até as energias que não têm, pois são daqueles que buscam o poder pelo poder, sejam quais forem os caminhos, pouco lhes importando os meios.
Os que perseguem o poder como uma obsessão, todos temos testemunhado, sobretudo nas pugnas eleitorais, agem, muitas vezes sem se darem conta, descontroladamente, sem freios e sem peias; agem como um carro desgovernado descendo uma ladeira, motivo pelo qual se predispõem a lutar com as armas que têm às mãos, ainda que o façam, muitas vezes, arrostando, lancetando a própria história.
Nessa liça, nesse afã, há os que se sentem estimulados a usar de expedientes pouco convencionais para ascender, pouco importando as consequências de sua ação.
São fatos que testemunhamos com frequência, sobretudo, repito, nas disputas de comando, nas quais, não raro, o menos importante são as ideais e o interesse público, pois, afinal, para os que buscam o poder pelo poder, este é um fim em si mesmo, razão pela qual o almejam a qualquer custo.
É preciso ter presente, entrementes, que, definitivamente, não vale tudo pelo poder. Não vale, por exemplo, mentir, escarnecer, vilipendiar, denegrir, arrostar a honra que eventuais adversários e nem daqueles que eventualmente se aliem aos circunstanciais adversários.
A busca do poder, tenho isso muito presente, com inabalável convicção, não deve levar os postulantes a uma luta fratricida e sem limites. Ao contrário, ela deve impor aos contendores o necessário e inefável respeito à dignidade e à honra de tantos quantos se envolvam na pugna, sejam adversários, sejam os eleitores, aos quais devem ser assegurados o direito de escolha e de alinhamento.
Não vale tudo pelo poder, definitivamente, posto que a disputa regada a ódio, ambição e vaidade não constrói; antes, dependendo dos expedientes utilizados, destrói reputações, macula a honra, levando a reboque, nessa faina, e em alguns casos, a própria instituição que se pretende comandar.
A disputa é sempre salutar, é sempre benfazeja; faz parte do jogo democrático. Mas quando falo em disputa, restrinjo-me ao campo das ideias, não àquela regada, por exemplo, a ataques e desrespeitos ao adversário.
O homem público se credencia para o exercício do poder, em face da sua honradez, da história que construiu. Dessa forma, a sua conduta deve, como imperativo moral, ser escorreita, ilibada, imaculada, postura que se exige igualmente, como um imperativo moral, durante todo processo eleitoral.
Nesse sentido, entendo que não se deve transigir, por exemplo, com ataques oportunistas aos que se envolvem numa disputa, mesmo nas disputas políticas paroquiais, nas quais o que menos valem são as propostas dos candidatos, atomizadas, não raro, por agressões torpes contra a honra dos contendores.
A luta pelo poder não pode ser travada olvidando-se os contendores do interesse público e da preservação das instituições, afinal, tudo tem limites.
Assim, por mais fascinante e inebriante que seja o poder, a sua busca não pode ser levada às últimas consequências, – pela via da intolerância, por exemplo, que, como lembra Voltaire, cobriu a terra de morticínios, ou com menoscabo da dignidade da pessoa humana, que é valor a ser sublimado a qualquer custo, por mais renhida que seja a disputa.
A dignidade da pessoa humana, solapada amiúde nas disputas de poder, cumpre lembrar aos que dela se descuram e para realçar a sua relevância, é valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem jurídica, constitucional e infraconstitucional, cumprindo consignar, com a advertência de Immanuel Kant, que as coisas têm preço e as pessoas, dignidade; dignidade que não deve ser vilipendiada, por mais renhida que seja uma disputa e por mais que se ambicione o poder.
É isso.