O SILÊNCIO INTELIGENTE

A literatura é uma fonte inesgotável de inspiração. E foi exatamente nela que encontrei a inspiração para esse artigo: Dom Quixote de la Mancha, que revisito nesses dias de reclusão imposta pela ameaça do novo coronavírus.

Para que não façam uma interpretação equivocada do sentido dessas reflexões, devo me antecipar dizendo que não prego aqui censura ou autocensura. Afinal, o silêncio oportuno e razoável é, também, uma forma de expressão.

O que almejo, tão somente, em face de determinadas lideranças – e aqui antecipo o sentido dessas reflexões – é que pratiquem o silêncio inteligente, ou seja, que falem somente o essencial e com muita responsabilidade; fora disso, nada mais razoável que o silêncio.

Dito isso, à guisa de introdução, trago à colação, agora, para ilustrar, passagem inspiradora, em face dos dias atuais, da monumental obra de Miguel de Cervantes.

Pois bem. Em determinado momento, o estalajadeiro indaga do seu hóspede, no caso Dom Quixote, já suspeitando de sua falta de juízo, se trazia consigo dinheiro.

Don Quixote respondeu que não trazia nem um tostão porque nunca havia lido nas histórias dos cavaleiros andantes que algum o carregasse.

O estalajadeiro disse-lhe, então, que estava enganado, pois, a história nada falava certamente porque aos autores pareceu que não era preciso mencionar uma coisa tão clara e tão necessária de se levar, como dinheiro e camisas limpas, e nem por isso haveria de se acreditar que não os trouxessem.

Prosseguiu o estalajadeiro dizendo que decerto todos os cavaleiros andantes, de quantos livros estão cheios e atulhados, levavam bem forradas as bolsas, para o que desse e viesse; “e que também levavam camisas e uma arca pequena com unguentos para curar as feridas que recebiam…”.

A lição que se pode tirar dessa passagem da obra extraordinária de Miguel de Cervantes, trazendo-a para os dias atuais, nos quais defrontamos com uma pandemia que já roubou a vida de milhares de irmãos em todo o planeta e onde vicejam manifestações ignorantes,  é que, dada a sua obviedade , não precisaria lembrar aos homens públicos, máxime aos que têm papel de destaque, que eles não podem delirar, que não podem escarnecer a ciência, que não podem assumir posições pensando apenas em seus interesses pessoais ou no seu projeto de poder, como o fez – e faz-, por exemplo, o ex-ministro Osmar Terra, que, em rota de colisão com a ciência, terminou por perder a pouco credibilidade que ainda tinha.

Nessa toada, é de relevo anotar que dos homens públicos, sobretudo dos que exercem, com sua fala e suas pregações, certo fascínio em parcela expressiva da sociedade, espera-se, sempre, como um imperativo inescapável, bom senso, sensatez e equilíbrio, e que não se deixem levar pela solerte preocupação com eventuais vantagens que possam ser alcançadas em face de determinadas circunstâncias da vida, como se constata, nos dias atuais, em face da tragédia que assola o mundo decorrente da Covid-19.

Tenho dito que, nas conversas informais, no restrito ambiente familiar, nas rodas de bate-papo, numa rodada de cerveja, numa mesa de bilhar, num carteado, ou em qualquer outro ambiente, todos podemos – conquanto não devêssemos! – , até, delirar um pouco; podemos falar bobagens, dizer asneiras, porque, nessas circunstâncias, das bobagens e das asneiras ditas não resultam maiores consequências.

Todavia, o delírio, as palavras inoportunas, o dizer sem pensar, sem medir as palavras não são aceitáveis, por óbvio, quando proferidas por um líder qualquer, porque o delírio e as palavras ditas sem pensar, sabidamente, podem, sim, exercer certo fascínio em expressiva parcela da população. Daí que, em situações que tais, recomenda o bom senso que o líder busque o silêncio inteligente, que, repito, é, sim, uma forma de expressão, como antecipei no início dessas reflexões.

O homem – e nesse sentido não escapa o líder –, tem-se dito, é dono do que cala e escravo do que fala; mas não só isso. Ele é, também, responsável pelas consequências do que diz e, nesse sentido, tratando-se de uma liderança, precisa pensar antes de falar.

Se as palavras têm poder, como ensinam os sábios, é de rigor que todos devamos ter prudência e descortino no falar, dada as suas conseqüências.

É preciso saber a hora de falar e de calar.

Assim sendo, quando não temos formação profissional em determinada área do conhecimento, não é recomendável que nos deixemos levar pelo instinto ou pela vaidade para sair por aí, num microfone ou nas redes sociais, dizendo e escrevendo bobagens, espargindo mentiras e enganando as pessoas.

Na atual conjuntura, mais do que nunca, é preciso ter cuidado com as palavras; essa conclusão não é minha, mas de todos os que têm bom senso.

Por tudo que temos testemunhado nos dias presentes, é cada vez mais importante que as pessoas que tenham o mínimo de bom senso advirtam, lembrem aos açodados e descomprometidos de que a verdade não pode ser solapada para satisfazer às idiossincrasias de ninguém; e isso serve, no mesmo passo e na mesma dimensão, para os disseminadores de fake news, muitas das quais pensadas para confundir, sobretudo ao cidadão incauto, que, por conveniências e interesses pessoais, se deixa levar por falsas informações, replicando-as nas redes sociais, disso resultando conseqüências muitas vezes imprevisíveis.

A responsabilidade pelo silêncio inteligente é de todos nós. Ademais, a nenhum de nós é dado o direito de, numa situação tão grave como a que nos encontramos, falar bobagens e espalhar fake news na esperança de influenciar os acólitos fanatizados pela refrega política.

Se a prudência recomenda que, nos dias em que vivemos, nós, cidadãos comuns, não disseminemos bobagens pelas redes, em face de suas consequências, como muito mais razão deve silenciar quem exerça uma liderança.

Aquele que não for capaz de agir com bom senso e equilíbrio em face dos momentos difíceis pelos quais passa a humanidade, que seja capaz, pelo menos, de colocar em prática o que denomino de silêncio inteligente. Afinal, como dizia Albert Einstein, a estupidez humana e o universo são infinitos, e nada pior para combater a Covid-19 que a estupidez do homem.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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