É PRECISO AMAR AS PESSOAS

O diplomata Sérgio Vieira de Mello foi enviado ao Iraque, depois da derrubada de Saddam Hussein pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, como chefe da missão da ONU, em Bagdá, para ajudar a pacificar o país. Todavia, como sabido, pouco pôde fazer para restabelecer a paz.

É que, no dia 19 de agosto de 2003, um caminhão-bomba foi lançado contra o prédio da ONU, matando 24 pessoas e ferindo outras tantas, naquele que foi considerado o maior atentado até então praticado contra uma representação das Nações Unidas.  Entre as vítimas da tragédia estava o grande brasileiro Sergio Vieira de Mello.

Por óbvio que não é possível resumir aqui a obra desse festejado diplomata carioca, já condensada em documentários – um deles disponível gratuitamente no YouTube  – e biografias alentadas.

E pelo fato de não ser possível sintetizar a sua monumental ação diplomática neste espaço, anoto, apenas, que há um consenso universal em torno de sua ação humanitária: foi um dos homens que mais contribuíram para a paz mundial, cumprindo ressaltar, nesse sentido, como exemplo, as suas destacadas ações no Timor Leste, em Ruanda e na repatriação dos refugiados da Guerra do Vietnã.

Com o lançamento do filme intitulado Sérgio, na Netflix, que conta parte de sua história, – estrelado por Wagner Moura, no papel principal, e Ana de Armas, como Carolina Larriera, esposa do diplomata -,   Sergio Vieira de Mello voltou a ser lembrado e eu voltei a me interessar pela sua história.

Antes de assistir ao filme e para confortar a minha péssima memória, saí em busca de informações sobre o diplomata, já que a sua biografia – o Homem que Queria Salvar o Mundo, de Samantha Power –  eu li há mais de 15 anos.

Encontrei na mesma Netflix as informações por mim pretendidas, e as recomendo. Trata-se do documentário também intitulado Sérgio, a que assisti nesses dias de pandemia.

Trata-se de um documentário denso, profundo, instigante, trágico e inspirador, que vale a pena assistir, conquanto não o recomende aos mais sensíveis, especialmente em face do dramático resgate – e tentativa de resgate – das vítimas do atentado, dentre as quais o próprio Sergio Vieira de Mello.

O detalhe que chama a atenção no documentário e que me levou a escrever estas reflexões, foi que – atenção! –  todas as vezes que o pessoal do resgate conseguia contato com Sérgio Vieira de Mello, parcialmente soterrado –  numa tentativa de regaste que se mostrou debalde -, este, entre a vida e a morte, imobilizado sob os escombros, num atitude que impressionou a equipe de salvamento, perguntava, insistentemente, como estava o resgate dos funcionários da representação, e pedia – acreditem!– que não se preocupassem com ele, e cuidassem dos seus companheiros também soterrados.

Isso se chama empatia, isso é altruísmo, o que parece faltar a algumas lideranças brasileiras e alguns dos seus sequazes mais fanatizados, os quais, nesses tempos de pandemia propiciada pelo novo coronavírus, parecem ter o seu pensamento e suas forças voltadas apenas para os seus próprios interesses, capazes que são de, até, promoverem buzinaços em frente a hospitais  ou de hostilizarem manifestação pacífica de enfermeiros, esses, sim, alguns dos destacados heróis nacionais dos dias presentes.

Menos mal que, noutras esferas, as pessoas têm mostrado a sua empatia e atitudes altruístas para com o povo sofrido do Brasil, como se constata, por exemplo, em face da exuberante rede de solidariedade que se formou para ajudar os mais necessitados, e para dar condições de trabalho aos médicos brasileiros – estes também heróis destacados -, vítimas, como nós outros, do descaso com que sempre foi tratada a saúde no Brasil.

Enquanto o povo sofre – e morre –  por falta de atendimento, algumas destacadas lideranças da nação disputam cargo e poder ou buscam uma boquinha para protegidos, muitos delas (lideranças) saídas do submundo do crime, fazendo-o sem nenhum constrangimento, à luz do dia, naturalmente, numa demonstração abjeta e torpe de que não estão nem aí para o sofrimento do povo.

E que se faça o doloroso registro:  é a classe menos favorecida que pagará, sim, além do sofrimento infligido pela Covid-19, pelos pecados de um sistema injusto e concentrador de rendas.

Diante dessa inevitável tragédia social, precisamos de lideranças fortes e comprometidas, ante a inevitabilidade do exacerbamento dos já desfavoráveis indicadores sociais, agora traduzidos em mais desemprego e mais fome, impondo-se, nesse cenário, a ação efetiva do Estado e sua rede de proteção, para que possam ser minorados o sofrimento e a dor do povo mais humilde.

No cenário desalentador a que me reporto, é inaceitável, sob qualquer perspectiva, que, nos dias presentes, de tanto sofrimento e dor, pessoas irracionais, dignas de desprezo, ainda persistam com ações que traduzem menoscabo pela dor e sofrimento alheios, não só subscrevendo e repassando fake news dolorosas – como a que noticia falsamente o enterro de caixões sem corpos -, mas, sobretudo, apostando no caos para que, depois, possam dele tirar algum proveito político.

Mas do que nunca, é preciso lembrar, com Renato Russo, que é preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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