O VÍRUS DA INSENSATEZ

Ao lado da pandemia proporcionada pelo novo coronavírus, testemunhamos, no Brasil, com consequências graves,  a contaminação do ambiente político pelo do vírus da insensatez, da ignorância, da arrogância e da prepotência, tema sobre o que pretendo refletir, aqui e agora.

Pois bem. Basta confrontar as notícias, ou dar um passeio nas redes sociais, para constatar que, no Brasil, vivemos em permanente estado de guerra; e não somente aquelas protagonizadas pelas facções criminosas, bandos associados ou facínoras individualmente considerados. Ademais, vivemos, em tempos de coronavírus, uma grave guerra de informações, de orientações e de posições, travada, daí a sua especial gravidade, por determinados atores políticos, com os olhos fincados, lamentável constatar, nas próximas eleições, pouco lhes importando o interesse público.

Ainda que as manifestações/orientações/posições decorram de garantias constitucionais – liberdade de culto e de expressão, por exemplo -, muitas são irresponsáveis – quando não criminosas-, pois que, por mais paradoxal que possa parecer, desinformam e desorientam, levando os incautos e crédulos a crerem, por exemplo, que, como disse um determinado bispo de uma determinada igreja evangélica – consta que depois se retratou -, o novo coronavírus é tão somente coisa do Satanás, que se combate apenas com orações, o que pode ser considerado, para dizer o mínimo, uma irresponsabilidade.

É preciso ter em conta que a sociedade civil entra em colapso quando se descontrola, quando se desorienta, quando é levada ao erro em face das pregações/orientações/posições oportunistas de falsos líderes, máxime quando batem de frente com a ciência, convindo lembrar, para ilustrar, que Yuval Noah Harari já advertia para o menosprezo das conquistas científicas, muito antes da pandemia decorrente do novo coronavírus.

Nesse cenário, todos nós perdemos. Perdem os tolos e os incautos, mas perdem, da mesma forma, os que estão no entorno destes, os quais são levados, do mesmo modo, na correnteza de insensatez da qual resultam desinformações ou das informações oportunistas, as quais, de rigor, só interessam mesmo àqueles que delas se beneficiam.

 A constatação é que estamos diante um inimigo invisível, como especial poder de destruição,  que tem tirado a vida de muitos dos nossos irmãos, mas que tem servido, no mesmo passo, aos interesses de uns poucos espertalhões/oportunistas/negacionistas/, nos mais diversos espectros, como testemunhamos no programa Fantástico do último domingo, e como temos testemunhado, de resto, no noticiário em geral, donde se constata que nem mesmo a responsabilidade do cargo impõe limites aos que não têm nenhuma grandeza diante de situações de tamanha gravidade.

É triste constatar que, sobretudo nos momentos de dificuldades pelos quais passamos, ainda tenhamos que conviver com a tenacidade dos aproveitadores, que, sem peias e sem recato, tentam, seja qual for o espectro em que atuem, tirar uma lasquinha, uma vantagem indevida, um proveito político ou material, pouco importando as consequências, os efeitos daninhos de sua ação, como ocorreu, por exemplo, com o prefeito de Teotônio Vilela, AL, fato amplamente noticiado.

Em momentos difíceis como os que enfrentamos nos dias presentes, não precisamos de espertalhões/oportunistas/negacionsitas/terraplanistas, os quais as pessoas de bom senso abominam. Precisamos, sim, de solidariedade, de altruísmo, de boa vontade, de empatia, de liderança e, sobretudo, de lucidez.

Conhecendo o ser humano como conheço não tenho dúvidas de que há muitos que flertam com o caos para, objetivamente, tirar proveito da situação, o que é grave e detestável, a fazer nascer em todos nós um inexorável sentimento de repulsa, quando não de revolta.

A verdade é que situações graves como as que testemunhamos nos dias presentes desafiam os nossos sentimentos e a nossa capacidade de amar o semelhante, de sermos solidários com esse mesmo semelhante. Daí que, em nome da tolerância e em favor da nossa felicidade e do semelhante, devemos, com todas as nossas forças, desprezar os que só pensam com os seus botões, no seu beneficio pessoal ou em face de um projeto de poder.

Noutro giro, mas efeito da mesma causa, tenho lido nas redes sociais muitas manifestações de pessoas que se dizem agastadas pela imposição da convivência mais amiúde com os membros da sua própria família, o que, para mim, é de uma gravidade muito próxima da incivilidade, que não difere em nada da falta de pudor que açula as ações oportunistas às quais fiz menção acima, e que, por isso, está a merecer, da mesma forma, destaque nessas reflexões.

No cenário acima descrito, sou instado a concluir que o homem, definitivamente, perdeu a capacidade de conviver com o semelhante, de respeitar o próximo, ainda que este seja integrante de sua própria família, a reafirmar que situações como a que estamos passando desafiam a nossa capacidade de compreender e ser compreendidos.

Definitivamente – e admito ser mera obviedade -, é diante das adversidades que testamos os nossos níveis de tolerância, pois é em face delas que nos é imposta a necessidade de abrir o corpo e a mente para o vírus da sensatez, da benevolência e da temperança, sem receio de contaminar o semelhante.

Em situações como a que enfrentamos no momento é  que testamos a nossa capacidade de renunciar aos nossos interesses pessoais, ou até mesmo à nossa liberdade individual, em favor da coletividade; e o que vale para qualquer cidadão vale, no mesmo passo, e com muito mais razão, para quem circunstancialmente exerça o poder, cujas palavras/orientações sempre repercutem, positiva ou negativamente, o que resulta na necessidade de pensar, refletir, contar até mil antes de falar uma bobagem ou de  colocar projetos pessoais acima dos interesses da coletividade.

 É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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