A inspiração para essas reflexões surgiu em face do ambiente de radicalismo que se instalou no país, onde despontam, em linhas opostas e inconciliáveis – ainda que em jogo o interesse público – os radicais de direita e de esquerda, incapazes, pela obliteração da mente e do pensamento, de verem as virtudes dos que elegeram como adversários/inimigos, bem assim os defeitos daqueles que elegeram como aliados/amigos.
Feito o registro, passo às reflexões.
Antes, considerando eventual incompreensão em face da minha condição de magistrado, a exigir de mim muito mais cautela e recato na emissão do pensamento, devo dizer, como Eugênio R. Zaffaroni, jurista argentino de nomeada, que é insustentável pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de ideias, que não tenha compreensão do mundo, uma visão da realidade. Daí que, para o ilustre penalista, juiz eunuco político é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica.
É do mesmo jurista a constatação de que juiz não pode ser alguém neutro, porque não existe neutralidade ideológica, salvo na forma de apatia, irracionalismo ou decadência de pensamento, que não são virtudes dignas de ninguém e menos ainda de um juiz.
À luz das egrégias colocações do ilustrado jurista portenho e sendo elas a minha linha de compreensão, importa dizer que, desde que ingressei na magistratura, venho expondo, destemidamente, a minha visão de mundo.
Eu sempre tive a pachorra de expor o meu pensamento, pois não sou do tipo que guarda no recôndito da alma o que pensa da vida, do mundo e das relações. Também não sou daqueles – que não critico e respeito – que se acomoda apaticamente sob as talares. Ao contrário disso, eu sempre mostrei a minha cara – algumas vezes, até a alma. E por agir assim, já fui, por isso, compreendido e incompreendido. Aliás, mais incompreendido do que compreendido.
Não consigo, definitivamente, ficar sem assumir posição em torno dos mais variados temas. Ademais, não sou do tipo que acha que juiz, pelo fato de ser juiz, só deva falar nos autos, como se fosse um pecado pensar e dizer o que pensa e sente.
Eu só sei ser intenso, forte nas minhas inabaláveis convicções, e sinto necessidade de expor o meu pensamento, como o faço agora, para dizer que estamos carentes de um juízo de ponderação e equilíbrio, a fim de que as relações, mesmo as familiares, não se tornem insuportáveis.
Confesso que, nos dias atuais, com tanto ódio permeando as relações, num ambiente político que já extrapolou os limites do bom senso, do equilíbrio e da sensatez, incomoda-me o fato de ter que ler os meus artigos, incontáveis vezes, com receio de ferir suscetibilidades, de provocar uma reação intempestiva e agressiva, como costuma ocorrer.
Nos dias atuais, por uma imperativa necessidade de preservação em face de ataques inauditos, eu até me recuso a opinar sobre determinados temas de interesse público, para não dar vazão à paranoia que tomou conta do país, com a malfazeja e radical divisão entre os de lá e os de cá, que conduz os radicais mais inconsequentes a concluírem, sem juízo crítico, que os de cá, ou seja, os que se alinham ao seu pensamento, estão sempre certos e o que deles divergem – estando, portanto, do lado de lá – o fazem porque são seres humanos de pouca ou nenhuma virtude.
Pelo fato de eu não ser um juiz asséptico e acrítico, em incontáveis crônicas e artigos publicados na imprensa local – e no meu blog – eu já me mostrei por inteiro. Contudo, apesar disso, repito, recuso-me a me filiar, cega e incondicionalmente, a qualquer corrente de pensamento de linha radical. Assim é que, estando certo, aplaudo; estando errado, critico, pouco me importando a ideologia do protagonista do erro ou do acerto.
Dessa forma, faço questão de anotar: eu sou exatamente o que digo, sem tirar nem pôr. Mas, no mundo em que despontam os halters mais afoitos, eu, muitas vezes, prefiro me recolher, para não opinar, para não estimular reações, muitas das quais obnubiladas pelo radicalismo que tem permeado a vida em sociedade, de onde surgem grupos de fanáticos, tanto num quanto noutro espectro político.
Sou intenso, sou veemente, sim, na defesa das coisas nas quais eu acredito, mas sem radicalizar. E nos dias atuais, com muito mais razão, pelo que imponho a mim mesmo uma necessária autocensura.
Mesmo ponderado, ainda há os que acham que sou muito intenso nas minhas posições. Para aqueles que pensam assim, registro que a intensidade com que defendo os meus pontos de vista não é predicado apenas dos homens pouco inteligentes como eu.
A propósito, uma historinha para ilustrar e finalizar.
Certa feita, no STF, Aliomar Baleeiro comentou a intensidade de Evandro Lins e Silva na defesa do seu ponto de vista.
Evandro, diante do comentário, anotou, como eu o faria, certamente:
“Não veja V. Exa. na minha veemência outro motivo que não seja o natural ardor na defesa do meu ponto de vista. É uma convicção firmada como juiz, sobretudo como juiz da Corte Suprema, encarando também o interesse público que está em causa”.
Eu, cá do meu canto, vou, da mesma forma, fazendo a defesa das minhas ideias e crenças, sem receio do que possam pensar os que preferem o conforto do silêncio, os que acham que juiz só fala nos autos, mas sempre com muita cautela para não acirrar os ânimos, num país já conflagrado em face da nefasta da qual falei acima.
É isso.